Âmbito Do
Contencioso Administrativo Pré-contractual
Introdução
Até à reforma de 2015 a acção de contencioso
pré-contractual regulada nos então arts 100º a 103º era configurada como um meio processual principal urgente,
actualmente sendo actualmente a figura antes classificada como uma acção administrativa urgente. Como
aponta Ana Celeste Carvalho “ esta reconfiguração não assume relevância meramente
semântica, antes traduzindo a opção do legislador em assumir (…) em relação ao
âmbito da acção do contencioso pré-contratual, no sentido de não ter natureza
puramente impugnatória, maxime do
acto final de adjudicação, mas admitindo também no seu âmbito o pedido de
condenação à prática do acto devido relativo à formação dos contratos”.
O regime vigente relativamente
à acção do contencioso pré-contratual encontra-se estabelecido no art 102º/1CPTA
em especial, e reforçado na previsão genérica dos processos urgentes do art
97º/1 CPTA ao estipular que às acções administrativas urgentes regem-se “no que
com ele não contenda, pelas disposto nos capítulos II e III do título II”, mais
especificamente as previsões dos capítulos referentes às “Disposições
particulares” e “Marcha do Processo” como configuradas para a acção declarativa
administrativa “não urgente” são também via de regra aplicáveis no contencioso
urgente, e consequentemente no contencioso pré-contratual.
Como menciona a autora supra a acção de contencioso pré
contratual está submetido a uma influência directa do Direito Comunitário. Os
tipos de contrato referidos no art 100º/1 CPTA dão os abrangidos por directivas
comunitárias em matéria de contratação pública (Directiva 2014/23/EU). Cumpre
ainda sublinhar que esta acção se reporta a um meio processual necessário e não
facultativo, não podendo as partes antes optar em sua preterição em favor do
recurso à acção administrativa, o que encontraria a sua justificação nas
finalidades prosseguidas, plasmadas nas directivas da contratação pública
(nomeadamente as Directivas 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE) - “em
obediência ao interesse ao interesse da estabilização das relações jurídicas,
da certeza e da segurança jurídica”.
Âmbito do
Contencioso pré-contratual Administrativo urgente
Actualmente
de acordo com o disposto no art 100º CPTA a acção do contencioso pré contratual
não se dirige apenas a actos administrativos, antes abrange também a
possibilidade de impugnação do próprio contrato art 102º/4 quando este tenha
sido celebrado na pendência da instância, regulamentos administrativos, em
relação a normas a normas incluídas nos documentos conformadores do
procedimento art 103º, podendo ser deduzido pedido impugnatório mas ainda o
pedido de condenação à prática do acto devido.
Especificamente no que diz respeito à agora inovatória do
art 100º/1 CPTA de permitir a condenação à prática de actos devidos, como
estipula o art 66º/3 e 67º/1, esta condenação é permitida não só contra actos
negativos, de indeferimento ou resultantes de inacções, mas também contra actos
de conteúdo positivo, bem como a possibilidade de impugnação e o pedido
condenatório contra o acto positivo que não satisfaça integralmente a pretensão
do autor.
Refira-se que Mário Aroso de
Almeida e Carlos Cadilha não admitem contudo a inserção na acção do contencioso
pré contratual dos pedidos de condenação à abstenção da prática de acto
administrativo pré-contratual nem o pedido de declaração de ilegalidade por
omissão de normas administrativas.
Por seu turno Ana Carvalho discorda da não inclusão da
acção de condenação `abstenção da prática de acto administrativo pré contratual
argumentando que “ perante a iminência da prática de um acto lesivo em relação
a algum interessado no procedimento de formação de contrato, nada obsta a que a
entidade administrativa possa ser demandada, invocando-se argumentos contrários
aos invocados no projecto de decisão como fundamento para a prática do acto”
por exemplo perante a iminência de um acto de exclusão de um interessado,
referindo a autora que também o contencioso pré contratual visa na sua essência
prevenir a prática de actos lesivos de forma semelhante aos termos gerais dos
art 37º/1 c) e art 39º/1 e 2.
Os tipos de contratos
abrangidos pela acção administrativa urgente do contencioso pré contratual
encontram-se plasmados no art 100º/1 e dizem respeito: “à formação de contratos
de empreitada de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de
aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços” elenco baseado
mas não correspondente sem mais às disposições constantes das Directivas
Europeias, ficam assim de fora do âmbito de aplicação deste contencioso pré-
contratual todos os demais contratos, ainda que nos termos do Código dos
Contratos Públicos (doravante CCP) estejam submetidos a um regime pré contratual.
Defende assim a Ana Carvalho que nestes casos o meio processual adequado é
antes a acção administrativa, fora do regime processual de urgência.
É de salientar, contudo, como
indica Pedro Costa Gonçalves que não existe de facto uma correspondência entre
o elenco do art 100º e as directivas comunitárias: a Directiva 2014/23/EU
contempla a figura da concessão de serviços, mais ampla do que adoptada pelo
legislador português de “concessão de serviços públicos”, as directivas
comunitárias têm em vista ainda “apenas os contratos públicos e concessões cujo
valor se situa acima de respectivos limiares de aplicação”. Diferentemente o
CPTA atribui o regime de contencioso pré-contratual urgente aos “tipos” de
contratos regulamentos pela União Europeia mesmo que em concreto (devido aos
limiares de aplicação) os actos impugnados ou omitidos não fossem abrangidos
pelas regras Europeias devido a se encontrarem fora do campo de aplicação
dessas normas.
Questão controvertida diz
respeito à determinação de qual a via processual adequada aos contratos mistos,
que têm prestações típicas enquadradas e não enquadradas no art 100º/1 CPTA. O
Acórdão do TCA Sul nº 4800/09 de 17/09/2009 clarificou que o um contrato se
encontraria abrangido pelo art 100º e como tal era susceptível de ser
configurado na acção administrativa urgente do contencioso pré-contratual se: “
a componente de maior expressão financeira de um dos tipos negociais combinados
é subsumível a prestações essências do contrato” que se encontre abrangido pelo
contencioso pé-contratual. Em linha com o já sustentado por Rodrigo Esteves de
Oliveira que sustentava que se deveria “aplicar um critério qualitativo quanto
à determinação do regime legal aplicável, em função do objecto principal do
contrato ou o que represente a sua maior expressão financeira”.
Âmbito do
Contencioso pré-contratual Administrativo urgente
Abordando agora o contencioso
pré -contratual dito “não urgente” como refere Pedro Costa Gonçalves trata-se
de delimitar “regime jurídico processual de reacção contra aqueles documentos,
peças e actos praticados ou omitidos” por contraposição ao já referido
contencioso urgente pré-contratual como plasmado nos arts 97º e 100º a 103º-B
CPTA.
Como observa o autor o
legislador denota uma tendência inata para o dualismo, nas soluções que adopta (não
apenas na agora extinta dicotomia entre acção administrativa especial e acção
administrativa comum); por um lado regula com um regime “especial” de natureza
urgente o contencioso pré-contratual pensado, como já foi referido, para a
contratação pública regulamentada em Directivas Europeias. Por outro lado o
contencioso pré-contratual de “regime geral” acaba como o autor sublinha por
ser delimitado “de forma residual, pela negativa: a ele se reconduzem todos os
litígios de natureza pré-contratual de natureza administrativa cuja resolução
judicial não tenha de ser encaminhada através de uma acção urgente”. Abarcando,
em essência, todos os contratos que não se encontrem plasmados no elenco do art
100º/1 CPTA.
Levanta-se assim a questão de
apurar se em relação aos documentos e peças do procedimento, as
particularidades do contencioso pré-contratual urgente apenas abrangerão de
facto os litígios que digam respeito aos contratos elencados no art 100º/1.
Argumenta Pedro Gonçalves que, na literalidade o art 103º/1 refere “ regem-se
pelo disposto no presente artigo e no artigo anterior, os processos dirigidos à
declaração de ilegalidade de disposições contidas no programa do concurso, no
caderno de encargos ou em qualquer outro documento conformador do procedimento
de formação de contrato, designadamente com fundamento na ilegalidade das
especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem destes
contratos”, o legislador deixa em aberto que o “procedimento de formação de
contrato” possa aludir não só aos contratos plasmados no art 100º/1 CPTA ou
antes a qualquer contrato público que assim poderá ter acesso ao mecanismo do
art 103º.
Diga-se a título pessoal que a
opção do legislador parece ter sido unívoca no sentido de apenas se aplicar o
art 103º aos contratos constantes do art 100º/1, não só pela estipulação de um
regime “especial” nos arts 100º a 103º mas consequentemente pela própria
inserção sistemática destas disposições no CPTA. Não obstante o referido autor
sustenta que se justificaria “uma universalização deste regime especial no
sentido de se aplicar aos pedidos de declaração de ilegalidade das peças e
documentos de todos os procedimentos de formação de contratos” defendendo que
sendo o regime especial dos arts 102º e 103º CPTA aplicável a todas as peças e
documentos de conformação de procedimentos pré-contratuais justificar-se-ia
pelas especificidades próprias desses instrumentos.
Ainda que a lei os qualifique como regulamentos, sempre
serão “regulamentos especiais”, com um tempo de aplicação naturalmente limitado
à duração do processo contratual e que legitimam um regime especial quanto à
tramitação urgente dos processos e à tempestividade dos pedidos de declaração
de ilegalidade.
Bibliografia
CARVALHO, Ana Celeste: “Aspectos Processuais da acção de
contencioso pré contratual e dos seus incidentes, à luz do CPTA e do CCP
revistos” in Revista de Direito
Administrativo nº1 Jan-Abr. 2018
GONÇALVES, Pedro Costa: “ O regime jurídico do
contencioso pré contratual não urgente” in
Comentários à revisão do CPTA e ETAF coordenação Carla Amado Gomes, Ana Fernanda
Neves e Tiago Serrão, AAFDL, Lisboa 2016.