Brevíssimas notas sobre o
prazo preclusivo de 15 dias para o exercício do poder de emitir a resolução
fundamentada (artigo 128º, nº1, do CPTA)
Em
2015, o legislador, no artigo 120º, nº1, do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (doravante CPTA), optou pela supressão da distinção entre uma
formulação negativa ou positiva do fumus
boni iuris consoante estivéssemos perante um pedido de uma providência cautelar
conservatória ou antecipatória, isto é, abandonou a solução anterior de
atribuição de um grau de intensidade diferenciado ao juízo sobre a
verosimilhança da existência do direito invocado e da ilegalidade da atuação
administrativa. Desde que tal não seja entendido como uma porta aberta para os
tribunais interpretarem esta uniformização como um pretexto para uma posição
especialmente restritiva nesta matéria, a verdade é que, em nenhum momento, se
pôs em causa a efetividade da tutela cautelar[1].
Isto
é tanto mais importante quando se tem presente que as sentenças cautelares
constituem efetivamente títulos
executivos, passíveis de serem acionados contra os requeridos no processo
cautelar, constituindo, nesta medida, uma forma de garantia da efetividade da
tutela que tenha sido jurisdicionalmente concedida ao requerente[2].
Mais
problemática tem se revelado, no tema das providências cautelares, a questão
atinente aos efeitos dos requerimentos de providências cautelares destinados a
obter a suspensão de eficácia de atos administrativos, posto que, segundo
alguns autores, este cenário representa o cruzamento entre os interesses do
requerente, da entidade requerida e o interesse do beneficiário do ato, quando
este último não seja o requerente da providência cautelar[3].
O
modo de resolver o referido diferendo encontra-se patente no artigo 128º CPTA[4], intocado pela reforma de
2015, nos termos do qual quando requerida a suspensão de eficácia de um ato
administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do
requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se mediante
resolução fundamentada[5], reconhecer, no prazo de
15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o
interesse público. Assim, a execução considera-se indevida quando for praticado
qualquer ato de execução depois daquele momento processual sem a emissão
atempada de resolução fundamentada, ou, quando, não obstante esta tenha sido
emitida previamente a execução do mesmo, o tribunal venha a julgar
improcedentes ou ilegítimas as causas de justificação invocadas na referida
resolução[6].
I.
O nº1 do artigo 128º
Embora
o regime deste artigo não seja verdadeiramente inovador[7], o mesmo traz consigo uma
dimensão merecedora de muita atenção, que se concretiza na fixação, conforme
acima se referiu, no prazo preclusivo de 15 dias para o exercício, pela
autoridade requerida, do poder de emitir a resolução fundamentada de cuja
emissão depende a possibilidade de levantar a proibição de executar, sem mais,
a suspensão da eficácia do ato administrativo[8].
O
regime do artigo 128º, nº1, visa dar resposta à demora do processo cautelar, procurando
acautelar a situação do requerente da suspensão da eficácia durante a própria
pendência do processo, isto é, à semelhança do artigo 131º, vem acautelar a
situação do requerente até ao momento em que venha a ser proferida a decisão
final neste processo[9]/[10].
Este
regime foi, escreve Mário Aroso de
almeida (2012), determinante para conferir à resolução fundamentada uma
centralidade sem precedentes na legislação que antecedeu o CPTA, na medida em
que foi a introdução do referido prazo preclusivo a responsável pela
proliferação de variadíssimas resoluções, muitas vezes, pouco ou nada
fundamentadas, tanto de um ponto de vista formal como de um ponto de vista
material. Isto porque, se no regime antecedente, não se impunha a observância
de tal prazo, não se lançando sobre a autoridade administrativa qualquer
pressão no sentido da emissão de uma resolução fundamentada, fazendo com que,
na prática, esta resolução apenas fosse emitida em momento posterior ou
acabasse por não ser emitida de todo, em sentido contrário, no regime vigente,
o prazo preclusivo de 15 dias fomenta a multiplicação de resoluções
apresentadas e, porventura, injustificadas. Dito de outra forma, a partir do
momento em que é fixado um prazo preclusivo para a emissão da resolução
fundamentada, o mais natural é que, sublinhe-se, se procurem promover as
condições para assegurar a observância desse prazo, a todo o custo[11].
Além
desta consequência, a disposição legal em análise tem conduzido a inúmeras
outras dificuldades de interpretação.
II.
Em especial, a resolução fundamentada
Em
primeiro lugar, a data de notificação do pedido de suspensão à autoridade
recorrida não é facilmente controlável por parte do particular, que ficará, de
certa forma, obrigado a solicitar
essa informação ao tribunal para poder saber se já terminou o prazo para a
emissão da resolução fundamentada[12].
Dito
de outro modo, o regime do artigo 128º não é muito ágil, uma vez que não
confere ao requerente a possibilidade de impugnar diretamente a resolução
fundamentada se, porventura, considerar que a mesma fora emitida extemporaneamente,
ou por órgão desprovido de competência para o efeito, ou que não está
suficientemente fundamentada, ou que procede a uma análise incorreta dos
pressupostos de facto ou de direito, por exemplo[13].
Refira-se
também, em segundo lugar, que, quanto à data de assinatura da resolução
fundamentada, essa sim, está verdadeiramente fora de qualquer controlo, seja
por parte do particular seja por parte do tribunal. Isto justifica, segundo
alguma doutrina, que o prazo de 15 dias seja entendido no sentido de marcar o
limite máximo, não somente para a resolução fundamentada, mas também para o seu
envio (obrigatório) para o tribunal, querendo isto dizer, por outras palavras,
que a resolução fundamentada deve dar entrada no tribunal dentro do prazo de 15
dias[14].
Só
deste modo se pode confirmar que o referido prazo foi verdadeiramente cumprido,
posto que existiria um encadeamento lógico entre a emissão da resolução
fundamentada e a prática dos atos de execução que não pode ser desvirtuada
cronologicamente. Desta maneira, ainda que a resolução fundamentada fosse
enviada para o tribunal dentro do prazo de 15 dias, estaria vedada a prática de
atos de execução antes do envio dessa mesma resolução para o tribunal, de modo
a que não sejam primeiro conhecidos os atos de execução e apenas depois a
justificação dos mesmos[15].
Ora,
seguindo este entendimento, será ilegal uma situação em que a autoridade
requerida emita uma resolução fundamentada, datada dentro do prazo dos 15 dias,
mas que apenas é enviada para o tribunal já depois de ultrapassado este prazo,
venha, em resposta a um pedido do particular, solicitar a ineficácia dos atos
de execução entretanto praticados. Paralelamente, será também ilegal a prática
de atos de execução do ato suspendendo antes de o tribunal ter tomado
conhecimento da resolução fundamentada, mesmo que tudo ocorra dentro do prazo
de 15 dias[16]
Contra
este entendimento argumenta-se, porém, que o mesmo encontra-se assente num
pressuposto segundo o qual a resolução tem por destinatário o tribunal, posto
que lhe deve ser comunicada, para que este, por seu turno, a comunique ao requerente
da providência cautelar, evidenciando uma certa jurisdicionalização do regime do artigo 128º do CPTA, na medida em
que a lei configura o regime ora em análise à margem do juiz cautelar, só
prevendo que a sua intervenção se o interessado, através do incidente previsto
no nº4 do mesmo artigo, eventualmente contestar eventuais condutas de execução
indevidamente adotados. [17].
Com
efeito, resulta claro da letra do artigo em exame que, tal como a proibição de
executar é um efeito que se produz ope
legis, isto é, sem a necessidade de intervenção do juiz, em consequência da
entrada do processo cautelar, também o levantamento dessa proibição, efetuada
por meio de resolução fundamentada, é um efeito que se produz
extrajudicialmente, sem intervenção do juiz, como consequência de uma
manifestação unilateral da Administração[18].
III.
Síntese conclusiva
A
fixação do prazo de 15 dias para a emissão da resolução fundamentada foi
introduzida com o propósito moralizador de não permitir que a Administração inutilizasse
o exercício de uma prerrogativa que apenas faz sentido na medida em que se mostre
indispensável para dar resposta a situações de especial urgência, isto é,
situações nas quais o interesse público assim o reclame[19].
Todavia,
não obstante a boa intenção teórica do legislador, faz-se necessário olhar com a
devida atenção para o efeito perverso e até banalizador que a imposição de tal
prazo acarreta para a resolução fundamentada: para que o prazo seja cumprido
não será de estranhar que a Administração emita, sem a justificação devida, uma
resolução fundamentada.
Acresce
ainda que, a nosso ver, o beneficiário, perante a emissão da referida resolução, quase que ‘’não é tido e nem achado’’, na medida em que o seu interesse na suspensão
da eficácia do ato não é tomado em consideração de modo a que possa, em
primeiro lugar, tomar conhecimento de que está a ser elaborada uma resolução
fundamentada e, em segundo lugar, contrapor o seu interesse na suspensão do ato
ao interesse invocado pela Administração, o que pode revelar-se particularmente
problemático com a sua compatibilização com o princípio constitucional da
tutela jurisdicional efetiva[20].
[1]
Gouveia Martins, Ana, Efetividade da tutela cautelar, in
Cadernos de Justiça Administrativa, nº 124, Braga, Centro de Estudos Jurídicos
do Minho (CEJUR), julho/agosto, 2017; pp. 3.
[2]
Caldeira, Marco A efetividade da tutela cautelar: algumas
notas sobre o regime de execução das decisões cautelares administrativas, in
Cadernos de Justiça Administrativa, nº 124, Braga, Centro de Estudos Jurídicos
do Minho (CEJUR), julho/agosto, 2017; pp. 73 e 74.
[3]
Duarte, Tiago, Providências
Cautelares, Suspensões Automáticas e Resoluções Fundamentadas: Pior a Emenda do
Que o Soneto?, in Julgar, nº 26, Coimbra Editora, 2015; pp. 77. Artigo
disponível na internet: URL http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/05/JULGAR-26-04-Tiago-Duarte-Provid%C3%AAncias-cautelares.pdf (consulta no dia 18 de
novembro de 2018).
[5]
Cfr. Duarte, Tiago, Providência cautelar e resolução
fundamentada: The winner takes it all?, in Cadernos de Justiça
Administrativa, nº 55, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho (CEJUR),
janeiro/fevereiro, 2006; pp. 45 e ss.
[6]
Elizabeth Fernandez, Revisitando o art. 128º, nº2, do CPTA:
agora, na perspetiva do contrainteressado, in Cadernos de Justiça
Administrativa, nº 90, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho (CEJUR), novembro/dezembro,
2011; pp.11.
[7]
Apesar de este efeito, com a reforma processual de 2004, se ter estendido, à
suspensão de normas administrativas, o mesmo já estava previsto em moldes
praticamente idênticos no, entretanto revogado, artigo 80º, nº1, da Lei de Processo
nos Tribunais Administrativos (LPTA). Assim: Elizabeth
Fernandez, Revisitando…2011;
pp.11.
[8]
Aroso de Almeida, Mário, Art. 128º do CPTA: realidade e perspetivas,
in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 93, Braga, Centro de Estudos Jurídicos
do Minho (CEJUR), maio/junho, 2012; pp. 3.
[9]Aroso de Ameida, Mário & Fernandes Cadilha, Carlos Alberto, Comentário ao Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, abril, 2017; pp. 1021.
[10]
O regime deste artigo vem, no fundo, evitar a inutilidade da providência
cautelar de suspensão. Assim, os atos de execução não se tornam inválidos; são
apenas ineficazes em relação ao requerente da providência. O legislador
pretendeu, com essa regra, assegurar que os efeitos da procedência da suspensão
de eficácia do ato suspendendo retroagissem à data da citação da providência
cautelar à entidade demandada, isto é, decretada a suspensão, tudo se passa
como se a mesma tivesse sido decretada no momento da citação. Desta forma,
previne-se, em certa medida, o periculum
in mora do próprio processo cautelar de suspensão. Cfr. Elizabeth Fernandez, Revisitando… 2011; pp.16 e 17.
[11]
Acrescenta também que tal poder conduz a uma progressiva jurisdicionalização do
regime do artigo 128º, pois que abre perspetivas de evolução que apontam para a
sua transformação numa realidade com uma configuração bastante distinta da
lógica em que originalmente assentava, cfr. Aroso
de Almeida, Mário, Art. 128º…2012;
pp. 3 e 4.
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