domingo, 16 de dezembro de 2018


Brevíssimas notas sobre o prazo preclusivo de 15 dias para o exercício do poder de emitir a resolução fundamentada (artigo 128º, nº1, do CPTA)

Em 2015, o legislador, no artigo 120º, nº1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), optou pela supressão da distinção entre uma formulação negativa ou positiva do fumus boni iuris consoante estivéssemos perante um pedido de uma providência cautelar conservatória ou antecipatória, isto é, abandonou a solução anterior de atribuição de um grau de intensidade diferenciado ao juízo sobre a verosimilhança da existência do direito invocado e da ilegalidade da atuação administrativa. Desde que tal não seja entendido como uma porta aberta para os tribunais interpretarem esta uniformização como um pretexto para uma posição especialmente restritiva nesta matéria, a verdade é que, em nenhum momento, se pôs em causa a efetividade da tutela cautelar[1].
Isto é tanto mais importante quando se tem presente que as sentenças cautelares constituem efetivamente títulos executivos, passíveis de serem acionados contra os requeridos no processo cautelar, constituindo, nesta medida, uma forma de garantia da efetividade da tutela que tenha sido jurisdicionalmente concedida ao requerente[2].
Mais problemática tem se revelado, no tema das providências cautelares, a questão atinente aos efeitos dos requerimentos de providências cautelares destinados a obter a suspensão de eficácia de atos administrativos, posto que, segundo alguns autores, este cenário representa o cruzamento entre os interesses do requerente, da entidade requerida e o interesse do beneficiário do ato, quando este último não seja o requerente da providência cautelar[3].
O modo de resolver o referido diferendo encontra-se patente no artigo 128º CPTA[4], intocado pela reforma de 2015, nos termos do qual quando requerida a suspensão de eficácia de um ato administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se mediante resolução fundamentada[5], reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público. Assim, a execução considera-se indevida quando for praticado qualquer ato de execução depois daquele momento processual sem a emissão atempada de resolução fundamentada, ou, quando, não obstante esta tenha sido emitida previamente a execução do mesmo, o tribunal venha a julgar improcedentes ou ilegítimas as causas de justificação invocadas na referida resolução[6].
I.                    O nº1 do artigo 128º
Embora o regime deste artigo não seja verdadeiramente inovador[7], o mesmo traz consigo uma dimensão merecedora de muita atenção, que se concretiza na fixação, conforme acima se referiu, no prazo preclusivo de 15 dias para o exercício, pela autoridade requerida, do poder de emitir a resolução fundamentada de cuja emissão depende a possibilidade de levantar a proibição de executar, sem mais, a suspensão da eficácia do ato administrativo[8].
O regime do artigo 128º, nº1, visa dar resposta à demora do processo cautelar, procurando acautelar a situação do requerente da suspensão da eficácia durante a própria pendência do processo, isto é, à semelhança do artigo 131º, vem acautelar a situação do requerente até ao momento em que venha a ser proferida a decisão final neste processo[9]/[10].
Este regime foi, escreve Mário Aroso de almeida (2012), determinante para conferir à resolução fundamentada uma centralidade sem precedentes na legislação que antecedeu o CPTA, na medida em que foi a introdução do referido prazo preclusivo a responsável pela proliferação de variadíssimas resoluções, muitas vezes, pouco ou nada fundamentadas, tanto de um ponto de vista formal como de um ponto de vista material. Isto porque, se no regime antecedente, não se impunha a observância de tal prazo, não se lançando sobre a autoridade administrativa qualquer pressão no sentido da emissão de uma resolução fundamentada, fazendo com que, na prática, esta resolução apenas fosse emitida em momento posterior ou acabasse por não ser emitida de todo, em sentido contrário, no regime vigente, o prazo preclusivo de 15 dias fomenta a multiplicação de resoluções apresentadas e, porventura, injustificadas. Dito de outra forma, a partir do momento em que é fixado um prazo preclusivo para a emissão da resolução fundamentada, o mais natural é que, sublinhe-se, se procurem promover as condições para assegurar a observância desse prazo, a todo o custo[11].
Além desta consequência, a disposição legal em análise tem conduzido a inúmeras outras dificuldades de interpretação.
II.                 Em especial, a resolução fundamentada
Em primeiro lugar, a data de notificação do pedido de suspensão à autoridade recorrida não é facilmente controlável por parte do particular, que ficará, de certa forma, obrigado a solicitar essa informação ao tribunal para poder saber se já terminou o prazo para a emissão da resolução fundamentada[12].
Dito de outro modo, o regime do artigo 128º não é muito ágil, uma vez que não confere ao requerente a possibilidade de impugnar diretamente a resolução fundamentada se, porventura, considerar que a mesma fora emitida extemporaneamente, ou por órgão desprovido de competência para o efeito, ou que não está suficientemente fundamentada, ou que procede a uma análise incorreta dos pressupostos de facto ou de direito, por exemplo[13].
Refira-se também, em segundo lugar, que, quanto à data de assinatura da resolução fundamentada, essa sim, está verdadeiramente fora de qualquer controlo, seja por parte do particular seja por parte do tribunal. Isto justifica, segundo alguma doutrina, que o prazo de 15 dias seja entendido no sentido de marcar o limite máximo, não somente para a resolução fundamentada, mas também para o seu envio (obrigatório) para o tribunal, querendo isto dizer, por outras palavras, que a resolução fundamentada deve dar entrada no tribunal dentro do prazo de 15 dias[14].
Só deste modo se pode confirmar que o referido prazo foi verdadeiramente cumprido, posto que existiria um encadeamento lógico entre a emissão da resolução fundamentada e a prática dos atos de execução que não pode ser desvirtuada cronologicamente. Desta maneira, ainda que a resolução fundamentada fosse enviada para o tribunal dentro do prazo de 15 dias, estaria vedada a prática de atos de execução antes do envio dessa mesma resolução para o tribunal, de modo a que não sejam primeiro conhecidos os atos de execução e apenas depois a justificação dos mesmos[15].
Ora, seguindo este entendimento, será ilegal uma situação em que a autoridade requerida emita uma resolução fundamentada, datada dentro do prazo dos 15 dias, mas que apenas é enviada para o tribunal já depois de ultrapassado este prazo, venha, em resposta a um pedido do particular, solicitar a ineficácia dos atos de execução entretanto praticados. Paralelamente, será também ilegal a prática de atos de execução do ato suspendendo antes de o tribunal ter tomado conhecimento da resolução fundamentada, mesmo que tudo ocorra dentro do prazo de 15 dias[16]
Contra este entendimento argumenta-se, porém, que o mesmo encontra-se assente num pressuposto segundo o qual a resolução tem por destinatário o tribunal, posto que lhe deve ser comunicada, para que este, por seu turno, a comunique ao requerente da providência cautelar, evidenciando uma certa jurisdicionalização do regime do artigo 128º do CPTA, na medida em que a lei configura o regime ora em análise à margem do juiz cautelar, só prevendo que a sua intervenção se o interessado, através do incidente previsto no nº4 do mesmo artigo, eventualmente contestar eventuais condutas de execução indevidamente adotados.  [17].
Com efeito, resulta claro da letra do artigo em exame que, tal como a proibição de executar é um efeito que se produz ope legis, isto é, sem a necessidade de intervenção do juiz, em consequência da entrada do processo cautelar, também o levantamento dessa proibição, efetuada por meio de resolução fundamentada, é um efeito que se produz extrajudicialmente, sem intervenção do juiz, como consequência de uma manifestação unilateral da Administração[18].
III.              Síntese conclusiva
A fixação do prazo de 15 dias para a emissão da resolução fundamentada foi introduzida com o propósito moralizador de não permitir que a Administração inutilizasse o exercício de uma prerrogativa que apenas faz sentido na medida em que se mostre indispensável para dar resposta a situações de especial urgência, isto é, situações nas quais o interesse público assim o reclame[19].
Todavia, não obstante a boa intenção teórica do legislador, faz-se necessário olhar com a devida atenção para o efeito perverso e até banalizador que a imposição de tal prazo acarreta para a resolução fundamentada: para que o prazo seja cumprido não será de estranhar que a Administração emita, sem a justificação devida, uma resolução fundamentada.
Acresce ainda que, a nosso ver, o beneficiário, perante a emissão da referida resolução, quase que ‘’não é tido e nem achado’’, na medida em que o seu interesse na suspensão da eficácia do ato não é tomado em consideração de modo a que possa, em primeiro lugar, tomar conhecimento de que está a ser elaborada uma resolução fundamentada e, em segundo lugar, contrapor o seu interesse na suspensão do ato ao interesse invocado pela Administração, o que pode revelar-se particularmente problemático com a sua compatibilização com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva[20].



[1] Gouveia Martins, Ana, Efetividade da tutela cautelar, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 124, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho (CEJUR), julho/agosto, 2017; pp. 3.
[2] Caldeira, Marco A efetividade da tutela cautelar: algumas notas sobre o regime de execução das decisões cautelares administrativas, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 124, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho (CEJUR), julho/agosto, 2017; pp. 73 e 74.
[3] Duarte, Tiago, Providências Cautelares, Suspensões Automáticas e Resoluções Fundamentadas: Pior a Emenda do Que o Soneto?, in Julgar, nº 26, Coimbra Editora, 2015; pp. 77. Artigo disponível na internet: URL http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/05/JULGAR-26-04-Tiago-Duarte-Provid%C3%AAncias-cautelares.pdf (consulta no dia 18 de novembro de 2018).
[4] Duarte, Tiago, Providências…, 2015; pp. 77
[5] Cfr. Duarte, Tiago, Providência cautelar e resolução fundamentada: The winner takes it all?, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 55, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho (CEJUR), janeiro/fevereiro, 2006; pp. 45 e ss.
[6] Elizabeth Fernandez, Revisitando o art. 128º, nº2, do CPTA: agora, na perspetiva do contrainteressado, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 90, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho (CEJUR), novembro/dezembro, 2011; pp.11.
[7] Apesar de este efeito, com a reforma processual de 2004, se ter estendido, à suspensão de normas administrativas, o mesmo já estava previsto em moldes praticamente idênticos no, entretanto revogado, artigo 80º, nº1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA). Assim: Elizabeth Fernandez, Revisitando…2011; pp.11.
[8] Aroso de Almeida, Mário, Art. 128º do CPTA: realidade e perspetivas, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 93, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho (CEJUR), maio/junho, 2012; pp. 3.
[9]Aroso de Ameida, Mário & Fernandes Cadilha, Carlos Alberto, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, abril, 2017; pp. 1021.
[10] O regime deste artigo vem, no fundo, evitar a inutilidade da providência cautelar de suspensão. Assim, os atos de execução não se tornam inválidos; são apenas ineficazes em relação ao requerente da providência. O legislador pretendeu, com essa regra, assegurar que os efeitos da procedência da suspensão de eficácia do ato suspendendo retroagissem à data da citação da providência cautelar à entidade demandada, isto é, decretada a suspensão, tudo se passa como se a mesma tivesse sido decretada no momento da citação. Desta forma, previne-se, em certa medida, o periculum in mora do próprio processo cautelar de suspensão. Cfr. Elizabeth Fernandez, Revisitando… 2011; pp.16 e 17.
[11] Acrescenta também que tal poder conduz a uma progressiva jurisdicionalização do regime do artigo 128º, pois que abre perspetivas de evolução que apontam para a sua transformação numa realidade com uma configuração bastante distinta da lógica em que originalmente assentava, cfr. Aroso de Almeida, Mário, Art. 128º…2012; pp. 3 e 4.
[12] Duarte, Tiago, Providência…2006; pp. 44.
[13] Duarte, Tiago, Providências…, 2015; pp. 84.
[14] Duarte, Tiago, Providência…2006; pp. 44
[15] Duarte, Tiago, Providência…2006; pp. 44
[16] Duarte, Tiago, Providência…2006; pp. 45.
[17] Aroso de Almeida, Mário, Art. 128º…2012; pp. 4 e 5.
[18] Aroso de Almeida, Mário, Art. 128º…2012; pp. 4.
[19] Aroso de Ameida, Mário & Fernandes Cadilha, Carlos Alberto, Comentário…, 2017; pp. 1024.
[20] Duarte, Tiago, Providências…, 2015; pp. 81.


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