domingo, 16 de dezembro de 2018

Acórdão do Coletivo de Juízes




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Av. D. João II, Bloco G piso 6-8, nº 1.08.01 I, 1990-097, Lisboa
Processo Nº: 2345678
Data: 16/12/18

Identificação das partes e objeto do processo
Veio a Sociedade de Construção Civil “Lisboa é um Estaleiro”, sediada na Praça Jacob Rodrigues Pereira, 1700-145, Alvalade, Lisboa, intentar a presente ação contra o Município de Lisboa, com o NIF: 500051070, sediada na Praça do Município, n.º 34, 1100-365, Santa Justa, Lisboa, tendo este como assistente a Associação de moradores “Entrecampos é nosso”, com sede na Avenida da República, 1600-057, Entrecampos, Lisboa.
Para tanto, alegaram, em síntese, que:
- A Autora alega que os documentos relevantes para a discussão pública da Deliberação nº 324/2018 foram apresentados 10 (dez) dias depois do início da discussão pública, em vez de terem sido apresentados com 20 (vinte) dias de antecedência. Tendo isto em conta veio a Autora pedir a anulação desta deliberação.
- Os últimos documentos relevantes, alega a Demandante, para o ato habilitante para a abertura do período da discussão publica (Deliberação 325/2018) foram entregues 18 (dezoito) dias após a data estipulada pela fase do procedimento e pela lei, o que determina a anulabilidade deste ato.
- A Deliberação 324/2018 e a Deliberação 281/2018 AML fixou, dos terrenos, uma área de 25% afetada à habitação. Estabelecendo esta última que todas as deliberações posteriores deveriam respeitar este limite. Na Deliberação 372/2018 estava apenas destinada 20% da área dos terrenos à habitação, violando assim a anterior Deliberação. A Autora pede, por isso, a anulação desta Deliberação.
- Afirma a Autora que foram ainda violadas várias disposições do Plano Diretor Municipal de Lisboa (“PDM”), nomeadamente o artigo 22º/1 do PDM relativo à vulnerabilidade de inundação, o artigo 24º  em matéria de vulnerabilidade sísmica dos solos  e, finalmente, o artigo 25º relativo à descontaminação de solos.
- Foi pedido, paralelamente, pela Requerente, um parecer técnico ao Centro de Estudos de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa quanto às matérias relativas às áreas sujeitas a riscos naturais e antrópicos, o qual, com parecer positivo, veio sustentar as várias condicionantes ao projeto referente à Operação Integrada de Entrecampos. Com base neste, a Autora vem apresentar a irregularidade e ilegalidade do projeto.
- A Autoridade Nacional de Aviação Civil considera, no parecer emitido a 20 de agosto de 2018, não ser viável o projeto, “pondo em causa a segurança do tráfego aéreo e eficiência do funcionamento de instalações civis do Aeroporto Humberto Delgado”.
- A Autora intenta, contra o Réu, uma ação de condenação à prática de ato devido, ilegalmente omitido ou recusado.
O Requerido, Município de Lisboa, defendeu-se for exceção e por impugnação alegando:
- Relativamente à alegada violação do parecer, o Réu argumenta que efetuou as adaptações necessárias sobre a proposta inicial, para “acautelar a conformidade legal da proposta”. Assim, e após o envio da nova proposta, foram apresentados, durante o período de discussão pública, novos pareceres, todos de conteúdo positivo. Deste modo, e de acordo com o Município de Lisboa, a proposta nova não apresenta nenhuma ilegalidade.
- Quanto à violação do prazo, o Demandado clarifica que este deve ser contado a partir do dia 3 de Setembro, alegando que não se conta o próprio dia (dia 2), e que, de qualquer das maneiras, quando o termo do prazo for num domingo, este transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (segunda-feira). É alegado, então, que o prazo de discussão pública se iniciou no dia 3 de Setembro.
- Em relação à disponibilização dos documentos necessários à discussão pública, o Município de Lisboa argumenta que estes se encontravam disponíveis no portal do Urbanismo da CML. Assim sendo, considerando que o prazo da discussão pública deveria ser contado até dia 26 (feita apenas de dias úteis), e que os documentos foram disponibilizados no dia 20 de Setembro, alega o Município que não houve um atraso na facultação dos mesmos.
- Quanto à validade das Deliberações 372/2018 e 373/2018, o Município de Lisboa alega que estas não violam a Deliberação 281/2018, por esta apresentar um erro, que foi corrigido por Errata. Assim, a Deliberação 281/2018, de acordo com o Demandado, apresenta um limite de 20%, assim como as Deliberações 372/2018 e 373/2018, pelo que estas não violam aquela.
- Relativamente à inclusão das ruas adjacentes, é alegado que a Associação de Moradores submeteu um pedido para integrar na Unidade de Execução os terrenos de propriedade do Município contíguos do terreno da Feira Popular. O Réu argumenta que já era a intenção do mesmo aquando da discussão pública, tendo aquela sido reforçada por opiniões positivas da Associação de Moradores.
- Em relação à alegada violação do Plano Diretor Municipal (PDM), o Município argumenta que, quanto ao risco de inundações, foram realizados estudos constantes do Relatório de Ponderação. Do mesmo decorre que a área da antiga Feira Popular não apresenta qualquer tipo de risco, sendo, pelo contrário, uma zona pouco vulnerável a inundações. Assim, e relativamente a este ponto, alega o Demandado que não há violação do PDM. Já relativamente à vulnerabilidade sísmica dos solos, o Município clarifica que o Departamento de Proteção Civil tem desenvolvido estudos ligados ao problema, tendo estabelecido várias áreas no distrito de Lisboa potencialmente críticas. Do plano mencionado, não resulta que a área da antiga Feira Popular é, de facto, potencialmente crítica, pelo que não há violação do PDM. Ainda quanto à potencial contaminação dos solos com substâncias de risco para a população, alega o Réu que a prova documental em questão – uma notícia do Jornal J – é algo dúbia, por não conter data de publicação. Além do mais, afirma o Demandado que existe um parecer técnico vinculativo do Centro de Estudos de Geologia da Faculdade de Ciências da Faculdade do Porto, permitindo-lhe refutar a acusação de contaminação dos solos.
- Quanto ao parecer do Ministério Público, o Município de Lisboa alega que as questões daquele constante foram devidamente respondidas, pelo que se confirma a conformidade legal do projeto de Operação Integrada de Entrecampos.
- O Réu reforça a existência de um limite de 20%, em vez de 25%, pelo que a Deliberação 396/AML/2018 não viola a Deliberação 281/2018.
O Requerido pronuncia-se nestes termos, pugnando pela improcedência da ação, pedindo, em consequência, que o Autor seja condenado no pagamento das custas.

O Assistente Associação de Moradores “Entrecampos é nosso” respondeu, defendendo-se, por exceção e por impugnação:
- Contestam a veracidade dos factos, elencados na Petição Inicial, essencialmente referente às Deliberações na Assembleia Municipal de Lisboa, à não disponibilização dos documentos e à perigosidade dos terrenos.
- A Associação de Moradores “Entrecampos é nosso” (daqui em diante, “Associação) alerta para o facto de a Procuração estar desprovida de assinaturas, impugnando a autenticidade dos documentos anexados pela Demandante.
- Alertam para o facto de terem sido efetuadas perícias ao terreno, confirmando-se existência de substâncias químicas.
- Consideram não existirem razões de alarme quanto às características no terreno, não havendo necessidade de preocupações antissísmicas, segundo a FCT.
- Alertam, de seguida, para existência de irregularidades do mandato judicial, constituindo uma exceção dilatória.
- Refutam o facto de a Requerente defender a existência de um interesse efetivo e atual porque desenvolveu uma política de reorganização interna e esforços financeiros que se traduziram em medidas orçamentaios restritivas”. Considera que não é demonstrado “como é que existência dessa política gera uma vantagem imediata na esfera jurídica.
- Consideram, ainda, que a Requerente pretende depositar na procedência da ação a expetativa de uma automática compensação pela política de reorganização interna e medidas orçamentais restritivas, de forma interligada com o facto de ser a úncia entidade a ter apresentado uma proposta; Afirmam que, ainda estando aberto o período para apresentação de propostas, a Requerente não pode basear a sua legitimidade naquele facto. Concluem, finalmente, pela inexistência de legitimidade singular ativa da Requerente, consubstanciando uma exceção dilatória nos termos do 89º/4 e) CPTA e 89º/2.
- Apresentam dúvidas quanto ao facto da Associação de Moradores “Entrecampos é nosso” (Requerida) ser configurada como contrainteressada; Apelam à figura de “assistente”, nos termos do 326º CPC ex vi 35º/1 CPTA; Alegam ter um claro interesse dependente da pretensão da CML, que se consubstancia na manutenção do ato, não tendo, porém, uma posição diretamente ligada à relação material controvertida.
- Afirmam não ter havido atraso na disponibilização dos documentos referidos, tendo sido os mesmos sujeitos a consulta pela Associação de Morados “Entrecampos é nosso”; Consideram não ter havido, assim, violação do dever de publicitação – 7ºA/2 Regulamento de Urbanização e Edificação de Lisboa.
- Consideram, relativamente à violação da deliberação, que a mesma não foi violada, pois a CML agiu, posteriormente à primeira deliberação, de acordo com a fixação vinculativa de valores mínimos.

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Saneamento dos Autos
   Da Legitimidade Passiva da Associação de Moradores “Entrecampos é nosso”
A Autora configura a Associação enquanto contra-interessada.
A Demandada, por sua vez, contesta, requalificando-se como assistente. Argumenta, nos termos do 326º e seguintes do CPC, aplicável ao Contencioso Administrativo ex vi 1º e 35º CPTA, que a sua posição jurídica é menos próxima da relação material controvertida, tendo o seu interesse ligado apenas à pretensão do assistido, de acordo com o 326º/2 CPC.
Concluindo, que, ao verificar-se uma ilegitimidade singular passiva, constituir-se-ia uma exceção dilatória, que conduziria à absolvição da instância (89º/2 CPTA).  
A figura de "contra-interessado” encontra-se prevista nos 57º e 68º/2 do CPTA. Constituem contra-interessados os titulares de interesses opostos aos do autor, nos processos de impugnação de atos administrativos e nos processos de condenação à prática de atos administrativos, em situação de litisconsórcio necessário passivo. Os contra-interessados configuram, de acordo com VASCO PEREIRA DA SILVA ( “O Contencioso Admnistrativo no Divã da Psicanálise”, 2009) "verdadeiros sujeitos principais da relação jurídica multilateral, enquanto titulares de posições jurídicas de vantagem conexas com as da Administração, intervindo nesses termos no processo”.
Na ação administrativa, os contra-interessados são chamados ao processo nos termos do artigo 10º/1 CPTA, que, de acordo com MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (Manual do Processo Administrativo, 2017) atribui, conjuntamente com os 57º e 68º/2 CPTA, o estatuto de partes à figura em questão, devendo estes ser demandados.
Como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS (in Código Processo Civil Anotado), “para que um terceiro possa intervir como assistente (espontâneo) do autor ou do réu, exige que seja titular de interesse jurídico” de uma decisão favorável à parte a que assiste.
Considera-se que a Associação, face ao supra exposto, se constitui como assistente. Não parece correto afirmar que a Associação vá ser “diretamente prejudicada” pela impugnação dos atos em causa, ou que tenha um “legítimo interesse” na manutenção dos atos da deliberação que decidiu colocar em hasta pública os referentes terrenos, sendo mais correto afirmar a existência de um “interesse jurídico” em que a decisão seja favorável ao Município, justificando, deste modo, a sua intervenção como assistente no pleito.
Como menciona o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, da 1ª secção, de 17 de Julho de 2008, Proc. Nº 02037/06.7BEPRT, já referido pela Associação, “o assistente apenas prossegue directamente a defesa desse interesse alheio, o interesse do assistido, sendo certo que é nesta defesa que milita, por via indirecta ou reflexa, pela defesa do respectivo interesse pessoal directo conexo com aquele”.
Acrescente-se que o douto Tribunal sublinha, ainda, que “o incidente da assistência traduz-se na intervenção de um terceiro como parte acessória, a quem move o propósito de auxiliar um dos litigantes, não para fazer valer uma pretensão própria, mas no sentido de que triunfe a tese ou o pedido por este formulado”.
Conclui-se, desta forma, que a Associação de Moradores não se configura como contra-interessado no litígio, o que levaria a uma situação de ilegitimidade passiva, que constituiria uma exceção dilatória [89º/4 e) CPTA], conducente à absolvição da instância. Contudo, nos termos já mencionados, a Associação pode intervir a título de assistente no processo.
O pedido de intervenção como assistente, deve ser formulado, tal como previsto no 327º/2 CPC, “em requerimento especial ou em articulado ou alegação que o assistido estivesse a tempo de oferecer”. Julga-se, assim, que, em nome do princípio da economia e celeridade processual, o articulado submetido pela Associação, consubstancia o pedido de intervenção como assistente no pleito.

   Da Legitimidade Ativa da Autora “Lisboa é um estaleiro”
O assistente arguiu a ilegitimidade ativa da Autora, dada a alegada falta de “interesse pessoal e direto” (55º/1 a) CPTA) por parte da mesma para intentar a acção de impugnação consubstanciando assim uma excepção dilatória, que, de acordo com o 89º/4 e) CPTA resultaria na absolvição da instância como disposto no 89º/2 CPTA.
De acordo com MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (Manual do Processo Administrativo, 2017), “a legitimidade individual, para impugnar atos administrativos, não tem basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas se basta com circunstância de o ato estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo a que a anulação desse ato lhe traz, pessoalmente a ele, uma vantagem direta (ou imediata) ”.
Comece-se por referir que dada a participação na Autora no processo de hasta pública parece inquestionável a existência de um interesse pessoal desta que o processo decorra de acordo com os requisitos de legalidade naturalmente a Autora retira, nas palavras de MARIO AROSO DE ALMEIDA uma “utilidade pessoal” na impugnação de um ato que esta alega, em virtude do parecer do Ministério Público, estar a ferir de ilegalidade o processo na qual participa.
Sublinhe-se contudo que a Autora não pode sustentar a existência do seu interesse directo no sentido de “atual” e “efetivo” no desenvolvimento, com vista a participar na hasta pública, de “uma política de reorganização interna de esforços e esforços financeiros que se traduziram em medidas orçamentais restritivas” ou no facto de ser, até à data a única entidade a participar no processo de hasta pública.
Não se pode assim concluir por uma correlação entre as vantagens que a Autora procura obter com o investimento realizado e as vantagens que esta procura obter com a impugnação do ato em causa. Saliente-se que muito embora até à data a Autora seja a única participante da hasta pública nenhuma certeza existe que de que à Autora sejam atribuídos os terrenos em causa ou sequer que não surjam de futuro mais participantes.
Neste sentido o interesse aqui demonstrado configura-se como futuro e hipotético não se dirigindo a uma utilidade que possa advir directamente da anulação do ato impugnado mas, eventualmente, na esperança futura que, decorrendo o procedimento de hasta pública de forma legal, as medidas financeiras por si tomadas dêem frutos e permitam uma adjudicação a si favorável.
Como refere o STA, em Pleno de secção no douto acórdão de 29 de Outubro de 1997, Proc. 030105: “interessado é aquele que espera ou pode obter, através da exercitação do seu direito de impugnar, um determinado benefício, utilidade ou vantagem de natureza pessoal. Os efeitos decorrentes da anulação do ato têm de repercutir-se, de forma direta e imediata, na esfera jurídica do próprio impugnante”.
Conclui-se assim que a autora tem legitimidade ativa nos termos do 55º /1 a) CTPA para intentar a presente acção sendo detentora de um interesse direto “atual” e “efetivo” na anulação do ato impugnado, na medida em que este pode gerar uma ilegalidade no processo de hasta pública na qual a Autora participa havendo nestes termos uma utilidade presente e não eventual que se repercute de “forma imediata e direta na sua esfera jurídica” em obter a anulação do mesmo.



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Fundamentação
  Os Factos

Com base nas posições assumidas pelas partes e atentando na prova documental e testemunhal produzidas por estas, bem como o processo administrativo apenso aos autos, consideram-se provados os seguintes factos: 
A.    A Requerente “Lisboa é um estaleiro” S.A, é uma sociedade que tem por objeto social o desenvolvimento de atividades de construção civil.
B.    Colocação, em hasta pública, dos terrenos da antiga Feira Popular.
C.    Em sessão ordinária, a 1 de Novembro de 2018, a Associação Municipal de Lisboa deliberou a proposta de hasta pública submetida pela Câmara Municipal de Lisboa (ora em diante, CML), tendo sido aprovada por maioria (Doc. 20 da PI). O anúncio da mesma foi publicado em Diário da República (Doc. 21 PI).
D.    A hasta pública foi programada para dia 17 de Dezembro de 2018, aceitando-se a entrega de propostas até dia 14 de Dezembro (Doc. 26 da PI).
E.     A Deliberação 281/2018 estabeleceu um limite mínimo, para fins habitacionais, de 25%. Consequentemente, a Deliberação 281/2018 foi violada pelas Deliberações 372/2018, 373/2018 e 396/2018, por configurarem um limite de 20%.
F.     A Deliberação 324/2018, estabelece a abertura do período de discussão pública, de 20 dias, para a Operação Integrada de Entrecampos.
G.    A Associação de Moradores enviou, ao Município, um pedido, formulado dentro do período mencionado nas Deliberações 324/2018 e 325/2018 (doc. 6 e doc. 7), de forma a integrar na Unidade de Execução os terrenos de propriedade do Município contíguos ao terreno da Feira Popular.
H.    O Megaprojeto de Entrecampos, na fase atual, não viola o Plano Diretor Municipal (PDM), não considerando este Tribunal que o parecer e o testemunho do perito apresentados constituíram prova suficiente.
J.      O parecer NAV relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 5103/2018 de 31 de Julho de 2018, Doc. 3 PI, bem como o parecer NAV relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 5103/18 de 7 de Setembro de 2018, Doc. 11 Contestação, concluem pela não existência de inconvenientes à execução do projeto.
K.    O parecer NAV relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 5103/2018 de 31 de Julho de 2018, Doc. 3 PI, bem como o parecer NAV relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 5103/2018 de 7 de Setembro de 2018, Doc. 11 Contestação, concluem pela não existência de inconvenientes à execução do projeto.
L.     O parecer ML relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 1363028/2018 de 7 de Agosto de 2018, Doc. 2 PI, bem como o parecer ML relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 1363028/2018 de 13 de Setembro de 2018, Doc. 14 Contestação, concluem pela não existência de inconvenientes à execução do projeto.
M.   O parecer ANAC relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 2389A/2018 de 20 de Agosto de 2018, Doc. 4 PI conclui pela não viabilidade da execução do projeto, dada a ultrapassagem das cotas máximas adequadas, estando, portanto, sujeito a futura revisão. Contrariamente, o parecer da mesma entidade relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 2389A/2018, de 18 de Setembro de 2018, Doc. 16 Contestação, conclui pela inexistência de inconvenientes à execução do projeto.
N.    O parecer Ministério da Defesa Nacional relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 3846/2018 de 20 de Agosto de 2018, Doc. 5 PI conclui pela não viabilidade da execução do projeto, dada a ultrapassagem das altitudes máximas estabelecidas, estando, portanto, sujeito a futura revisão. Contrariamente, o parecer da mesma entidade relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 3846/2018, de 20 de Setembro de 2018, Doc. 18 Contestação, conclui pela não objeção à execução do projeto.



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O Direito
  Da Alegada Violação do Período de Discussão Pública
Alega a Autora, que não teve conhecimento dos documentos necessários à discussão pública em tempo necessário. Já o Réu argumenta que, além do prazo dever ser contado até dia 26 de Setembro, os documentos encontravam-se disponíveis antes do termo do mesmo. Afirma o Requerido que foram os documentos em questão disponibilizados, alegando o Assistente que não houve atraso algum. Subscrevendo na douta opinião do excelentíssimo magistrado do Ministério Público, não parece haver fundamento para a discussão dos prazos relativa à disponibilização dos documentos, sendo que o 7º-A e 117º-A do Regulamento de Urbanização e Edificação de Lisboa “não consagram qualquer disposição no sentido de fixar uma data para a disponibilização dos documentos”. Deste modo, haverá apenas um “dever de promoção de uma discussão pública sobre a execução dos planos municipais de ordenamento do território”, não estando, portanto, em causa, uma violação dos respetivos artigos.

  Da Alegada Violação da Deliberação 281/2018
A Deliberação 281/2018, conforme referido, estabeleceu um limite de 25%, por escrito. As Deliberações 372/2018 e 373/2018, posteriores à Deliberação 281/2018, determinaram um limite de 20%, contrário, portanto, a esta. Afirma a Autora que as deliberações violadoras da 281/2018 devem ser anuladas. O Réu, por sua vez, alega a existência de um erro na Deliberação original, tendo este sido corrigido por Errata, que sublinhava a correção do mesmo. Deste modo, precisa a Errata que deverá ser lido, na Deliberação 281/2018, um limite de 20%, ao invés de 25%. Pronuncia-se a Associação da mesma forma, argumentando a existência da Errata.
A mesma situação ocorreu relativamente à Deliberação 396/AML/2018, que, do mesmo modo, estabelecia um limite de 20%.
Cumpre apreciar e decidir.
A Errata em questão foi apresentada sem o conhecimento de todos os membros partidários, que votaram na deliberação anterior. Colhendo assim a argumentação do excelentíssimo magistrado do Ministério Público, este Tribunal considera não se poder atribuir validade à referida Errata, considerando a falta de conhecimento da totalidade dos membros dos partidos relativamente à existência da mesma. Além do mais, uma vez constado um erro presente em deliberação, deveria a Presidente da Assembleia Municipal ter submetido o mesmo a nova deliberação, pelos pressupostos do 25º/2 d) do Regime Jurídico das Autarquias Locais.
Além do mais, importa clarificar que, tratando-se de uma deliberação aprovada em sede de Assembleia Municipal, tanto dispõe o 34º/6 CPA bem como o 57º/4 da Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro (Regime Jurídico das Autarquias Locais), que estas deliberações apenas são eficazes e produzem efeitos jurídicos após a respetiva aprovação das suas atas, sendo estas uma formalidade ad substantium que afetam a própria validade das decisões.
Quanto à qualificação probatória a ser atribuída à Errata, pode admitir-se que se trata de um documento autêntico, como disposto no 363º/2 CC, visto que foi exarada por uma autoridade pública dentro do “círculo de atividade”, ainda que seja questionável a competência de um vereador municipal para aditar erratas relativas a deliberações da Assembleia Municipal. Assim, a Errata, constituindo um documento escrito autêntico nos termos do disposto 363/2º CC, faz prova plena, pelo 371º/1 CC, dos factos praticados pela autoridade púbica respetiva, tendo sido assinada pela Presidente da Assembleia Municipal, a quem compete assegurar a regularidade das deliberações 30º/1 e) RJAL.
Este Tribunal não deixa de considerar, no mínimo peculiar, como se persistisse uma entidade omnipresente e omnisciente, que se logra conduzir os destinos deste procedimento através de um plano superior de existência, sendo que só isso explicaria o facto de a Errata já se encontrar assinada pela Presidente da Assembleia Municipal, logo na mensagem de correio eletrónico em que o referido vereador a remete para ser aditada à ata da Deliberação (quando, à data, a Presidente ainda não se teria dado conta do lapso, daí extraindo-se a própria necessidade de remeter um email a alertar para esse lapso).
Como foi supra referido, a lei exige para a validade e eficácia das deliberações a aprovação da sua ata, como documento autêntico. Desta forma estatui o 364º CC: “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”. Como foi previamente atestado, ambos os documentos têm valor probatório semelhante, pelo que não se afigura possível sequer que uma Errata, como a presente, venha alterar a essência o conteúdo da Deliberação.
Com base em tudo o que foi mencionado, considera o Tribunal a dita Errata inválida. Consequentemente, as Deliberações 372/2018, 373/2018 e 396/AML/2018 violam, efetivamente, o disposto na Deliberação 281/2018, pelo que deverão ser anuladas.

  Alegada Violação do PDM
Alega, o Requerente, que o Projeto de construção nos terrenos de Entrecampos viola o PDM (Plano Diretor Municipal de Lisboa, adiante designado como “PDM”), nomeadamente os artigos 22º, 24º e 25º do mesmo.
Vejamos.
O artigo 22º é referente à vulnerabilidade, dos respetivos terrenos, a inundações. Contrapõem, o Requerido, aludindo para o Relatório de Ponderação (anexado ao Processo), que essa vulnerabilidade não está presente nos terrenos em apreço. De facto, uma vez apresentadas estas conclusões, que refutam o alegado pela Autora, terá o Tribunal de concluir que se dá como provada (através de documento) a inexistência de uma vulnerabilidade tal, que coloque em causa a construção nos terrenos em questão. Afasta-se, dessa forma, a aplicação do artigo 22º/1 do PDM.
A Autora afirma, ainda, a existência de substâncias de risco para a população, nos solos da antiga Feira Popular. De acordo com o Artigo 25º do PDM, se existir risco de contaminação dos solos, malignos para a população e para o ambiente, é obrigatório proceder a uma avaliação da perigosidade da mesma. A Requerente alega a inexistência de tal avaliação, utilizando por argumento uma notícia constante do Jornal J. Argumenta o Réu, por seu turno, que a falta de data de publicação no jornal em questão torna o seu enquadramento da notícia, como prova documental, dúbio.
Cabe apreciar e decidir.
Na notícia em apreço, nada indica que a avaliação de perigosidade não foi realizada, podendo mesmo dizer-se que esta serviria de base aos factos naquela alegados. Não obstante, e independentemente da interpretação do conteúdo da notícia do Jornal J, o Tribunal considera a falta de informação constante da mesma insuficiente para a sua constituição como prova. Consequentemente, não parecer haver dados para fundamentar a violação o Artigo 25º do PDM, não havendo, bem assim, prova que consubstancie referida desconformidade. Deste modo, considera o Tribunal que não houve violação das disposições do PDM por parte do Município de Lisboa.
A Requerente alerta, também, para a aplicação do artigo 24º do PDM. O mesmo apela à existência de vulnerabilidades sísmicas no terreno no qual irá incidir o projeto de construção dos edifícios. Deste modo, o mesmo teria de assegurar medidas de resistência estrutural antissísmica. A Autora apresenta, ainda, um documento, cuja fonte pertence ao PDM, de uma planta que apresenta as várias zonas vulneráveis, em Lisboa, a atividades sísmicas.
O Requerido apresenta, na Contestação, um Estudo da ANAPC (Autoridade Nacional de Proteção Civil) que especifica as zonas mais sujeitas a sismos, não constando, nesse documento, quaisquer informações relativamente à zona onde irá incidir a construção em apreço.
Vejamos.
É de notar que o documento pela Autora apresentado, não especifica os locais sobre os quais incide a pesquisa. Além do mais, a testemunha arrolada pela Autora, durante o julgamento, densificou pouco esta questão, tendo deixado margem de dúvida sobre a mesma. Por tudo isto, considera o Tribunal que as provas apresentadas, por parte da Requerente, se mostram insuficientes para se concluir pela vulnerabilidade sísmica dos terrenos, tendo de concluir pela inexistência, na zona em questão, de quaisquer tipos de impedimentos, da construção pretendida.

  Inclusão das Ruas Adjacentes
Inclusão das Ruas Adjacentes
Da alegada inclusão na Unidade de Execução dos terrenos de propriedade do Município contíguos ao terreno da Feira Popular, a pedido da Associação de moradores “Entrecampos é Nosso”, a Deliberação 324/2018, consagra a abertura de um período de discussão pública de 20 dias, começam a correr a partir da data do Aviso 6823/B de 2018 anexo ao Processo Administrativo, com data de 28 de Agosto, sendo a partir desta data que nos termos do 87º CPA, uma vez que o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, Decreto- Lei nº 80/2015 de 14 de Maio (doravante designado RJIGT), não contem disposição especial no que toca a esta esta matéria, é aplicável como prazo geral. Tendo a Associação de Moradores “Entrecampos é Nosso” enviado a 7 de Setembro de 2018, comunicação ao Município com a intenção da inclusão das ruas adjacentes, nomeadamente parcelas das Avenidas da República, Forças Armadas e 5 de Outubro, das quais o réu é igualmente proprietário, na unidade de execução, (Doc. 12 anexo ao Processo Administrativo), portanto dentro ainda do período de discussão pública e no seio do mesmo, constata-se assim a tempestividade de tal comunicação.
Face à questão da unidade de execução propriamente dita, cumpre apreciar:
A definição de unidade de execução é um porção de território delimitada para efeitos de execução de um plano de gestão territorial, e consiste nos termos do 148º/1 do RJIGT “na fixação e planta cadastral dos limites físicos da área a sujeitar a intervenção urbanística, acompanhada da identificação dos prédios adjacentes, sendo assim um elemento preferencial para a execução dos planos de ordenamento territorial”. A delimitação das referidas unidades de execução deve assegurar nos termos do 148º/1 e 2 do RJIGT um desenvolvimento urbano harmonioso, com integração de áreas a afetar a espaços públicos ou equipamentos previstos no plano em vigor, e, quando necessário, garantir a justa repartição de benefícios e encargos pelos proprietários envolvidos.
Nos termos do 146º do RJIGT cabe ao Município promover a execução coordenada e programa do planeamento territorial, com a colaboração das entidades públicas e privadas de forma a ir de encontro ao interesse público. Assim claro está, cabe ao Município de Lisboa a promoção da referida discussão face à integração das ruas adjacentes, o que de facto aconteceu como consta de prova documental.
No ponto 6 alínea e b) 324/2018 de 24 de Agosto, estão mencionados os terrenos que a envolvem bem como a alteração ao loteamento da Av. Das Forças Armadas.  Igualmente a Deliberação 325/2018 de 24 de Agosto refere no ponto 7 refere as freguesias de Avenidas Novas e Alvalade, nas quais se integram os arruamentos referidos pela associação de moradores “Entrecampos é Nosso”, conforme informação disponibilizada no sítio da internet da Câmara Municipal de Lisboa ,bem como no ponto 7/1 da mesma deliberação refere a Avenida da República, Entrecampos e a zona Sul do Campo Grande.
Nestes termos é de notar que existia já uma intenção prévia do réu em incluir na referida unidade de execução as ruas adjacentes, reforçado pela colaboração da assistente no processo durante o período de discussão pública. Assim, as deliberações posteriores, nomeadamente as Deliberações 372/2018 e 373/2018 de 27 de setembro, ao consagrar a inclusão das ruas adjacentes, expressam esta prévia intenção do réu da demonstrada nas deliberações anteriores, pelo que não existe desconformidade das Deliberações 372/2018 e 373/2018 com as Deliberações 324/2018 e 325/2018 de 24 de agosto.
Não procede, assim, o argumento da recorrente de que as primeiras deliberações são inválidas, relativamente à inclusão das ruas adjacentes, por não conformidade com as Deliberações 324/2018 e 325/2018 de 24 de Agosto.

  Da Alegada Violação do Parecer Obrigatório e Vinculativo
Não obstante todos os pareceres apresentados pelas partes nestes autos e supra referidos.
 O parecer IMT relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 34646/2018 de 17 de Agosto de 2018 (Doc. 3 PI) e o parecer IMT, Processo nº 34646/18 de 13 de Setembro de 2018 (Doc. 15)  .
O parecer NAV, Processo nº 5103/2018 de 31 de Julho de 2018 (Doc. 3 PI) e o parecer NAV, Processo nº 5103/18 de 7 de Setembro de 2018 (Doc. 11).  
O parecer ML relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 1363028/2018 de 7 de Agosto de 2018 (Doc. 2 PI) e o parecer ML, Processo nº 1363028/2018 de 13 de Setembro de 2018, (Doc. 14)
O parecer Ministério da Defesa Nacional relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 3846/2018 de 20 de Agosto de 2018 (Doc. 5 PI) e o parecer do Ministério da Defesa Nacional, Processo nº 3846/2018, de 20 de Setembro de 2018 (Doc. 18)
Cumpre clarificar que o único que se configura como sendo obrigatório e vinculativo art 91º/1 CPA, e cuja violação redundaria assim numa ilegalidade é  aquele que deve ser emitido pela ANAC, relativo a uma servidão aérea na zona referida de acordo com o disposto no art 4º do DL nº 48542, de 24 de Agosto de 1968.
Assim sendo o parecer ANAC relativo à Operação Integrada de Entrecampos, Processo nº 2389A/2018 de 20 de Agosto de 2018 (Doc. 4 PI) submetido pela Autora conclui pela não viabilidade da execução do projeto, dada a ultrapassagem das cotas máximas adequadas, estando, portanto, sujeito a futura revisão. Contudo, o parecer da mesma entidade relativo à mesma operação, Processo nº 2389A/2018, de 18 de Setembro de 2018 (Doc. 16) sendo portanto de data posterior conclui pela inexistência de inconvenientes à execução do projeto.
Ainda que este Tribunal considere peculiar que a mesma entidade sobre a mesma temática emita dois pareceres totalmente contraditórios em tão excesso intervalo de tempo, não lhe resta senão concluir que não existiu nenhuma violação por parte do Município de um parecer obrigatório e vinculativo visto que a mais recente pronúncia da ANAC conclui pela inexistência de inconvenientes à execução do processo.


***

Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgamos a ação de impugnação procedente, anulando as Deliberações 372/2018, 373/2018 e 396/2018 por violação do estabelecido na Deliberação 281/2018 e, em consequência, condenamos o Município à emissão de uma decisão de colocação em hasta pública que respeite os 25% estabelecidos para fins habitacionais na deliberação supra mencionada.
Custas por conta do réu, ficando a Associação isenta nos termos do 4º/1 f) Regulamento de Custas Processuais.


Notifique e registe.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2018.

Duarte Teixeira
José Santos
Leonor Vale
Rodrigo Gonçalves
Sofia Piçarra
Sofia Oliveira
Gastão Sèves

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