O
Despacho saneador
O artigo 88º do Código de Processo
dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) refere-se ao Despacho Saneador.
Ali se estabelece ao que se destina, sendo que este despacho é proferido quando
haja que conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam
sido suscitadas pelas partes. Ou que, tendo em conta os elementos constantes
dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente ou conhecer, total ou
parcialmente, do mérito da causa, quando a questão seja apenas de direito ou,
sendo também de facto, o estado do
processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos
ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória[1].
O nº1 do artigo 88º prevê duas
hipóteses em que deve ser proferido Despacho Saneador, são elas:
·
A
prevista na alínea a) de acordo com a qual à lugar a despacho sempre que haja
que conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido
suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o
juiz deva apreciar oficiosamente.
·
E
a previsão constante da alínea b), segundo a qual o juiz deve proferir o
saneador sentença, quando no despacho
saneador já esteja em condições de conhecer total ou parcialmente do mérito da
causa, por o estado do processo assim o permitir, sem necessidade de mais
indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de
alguma exceções perentória.
Face ao que foi dito e, de acordo
com o que faz parecer o artigo 88º, nº4 do CPTA, poder-se-ia dizer que só
haverá lugar a Despacho Saneador quando esteja em causa tomar uma decisão, de
forma ou de mérito, destinada a formar caso julgado formal em relação às
questões prévias suscitadas ou, caso julgado material em relação ao mérito da
causa.
No entanto, se se atender ao que é
dito no artigo 89º-A, nº1 também do CPTA, este parece pressupor que há sempre
lugar a despacho saneador, quanto mais não seja para assumir que, não tendo
sido colocadas quaisquer questões prévias, o processo deve prosseguir.
Como é sabido o Código de Processo
Civil de 2013 foi uma grande influência no Contencioso Administrativo,
especialmente após a sua Reforma de 2015. Não obstante essa “amizade
necessária”, como outrora lhe chamei, pois em muito foi útil para tornar o processo
administrativo mais prático, se assim posso dizer, também existem diferenças
entre os dois tipos processuais, inclusivamente especificidades que o
Contencioso Administrativo manteve.
Ora, tal é visível no artigo 88º,
nº2 do CPTA, ali se prevê que é imposto ao juiz o dever de decidir em
definitivo, no despacho saneador, todas as questões prévias[2]
que obstem ao conhecimento do objeto do processo, estabelecendo que as questões
prévias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas
nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no
despacho não podem vir a ser reapreciadas”. Isto é oposto ao que sucede em
Processo Civil, na medida em que o CPC, não só permite a relegação para o final
da decisão relativa à matéria das exceções, o que sucede normalmente quando o
juiz não disponha na fase de saneamento do processo de elementos suficiente
para o julgamento da questão (art. 595º, nº4), como permite, sem prejuízo do
disposto no 278º, nº3, que se conheça na sentença, com precedência sobre a
matéria de fundo, das “questões processuais que possam determinar a absolvição
da instancia” e, portanto, de questões que não tenham sido detetadas no
despacho saneador (608º, nº1). Já no âmbito do CPTA, o saneador é o único
momento do processo em que este tipo de questões podem ser apreciadas. Neste
sentido, pode dizer-se que em Contencioso Administrativo se encontra
sedimentado o princípio de concentração do saneamento do processo num único
momento processual, bem como o Princípio da Preclusão.
Esta solução também se relaciona
com princípio de promoção de acesso à justiça, visando evitar que o tribunal
relegue para o final a apreciação das questões prévias para só então pôr termo
ao processo com uma decisão de mera forma e, por outro lado, que o processo
seja utilizado a todo o tempo para suscitar questões formais, com consequências
negativas no plano da economia e celeridade processual.
Apesar da diferença existente, a
função do Despacho Saneador é mesma em Processo Civil e no âmbito do
Contencioso.
A solução consagrada no CPTA pode
implicar que, em certos caso, o processo prossiga inutilmente, quando não tenha
sido suscitada oportunamente uma questão prévia que pudesse evitar a apreciação
do mérito, como sucederá quando o processo se dirija contra uma pessoa ou
entidade que é parte ilegítima e relativamente à qual não poderá ser executada
a sentença, ou tenha por objeto um ato administrativo inimpugnável, caso em que
a eventual sentença anulatória não impedirá que venha a ser produzido pela
entidade demandada um novo ato lesivo.
Nos termos do Contencioso
Administrativo o juiz só pode decidir na sentença as questões de fundo, e não
questões prévias ou processuais incorrendo, em nulidade, por excesso de
pronuncia a sentença que venha a decretar a absolvição da instancia com base na
reapreciação de uma questão prévia ou na invocação de uma questão prévia que
não foi apreciada no momento devido, desrespeitando o artigo 88º, nº2 do CPTA.
Todavia, o eventual reconhecimento, pelo
juiz, da existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento do objeto do
processo não conduz necessariamente à emissão de um despacho de absolvição da
instância. Em primeiro lugar, nos termos do art. 87º, nº1, pode haver lugar à
correção oficiosa das peças processuais que enfermam de deficiências ou
irregularidades de caráter formal, bem como o suprimento oficioso de exceções
dilatórias. Em todos os outros casos, em que a correção ou o suprimento
oficioso não seja possível, o art. 87º, nº2, prevê que o juiz profira despacho
de aperfeiçoamento, que se destina a providenciar o suprimento de exceções
dilatórias e a convidar a parte a corrigir as irregularidades formais do
articulado.
Com efeito, o nº2 artigo 88º do CPTA
configura uma situação de caso julgado tácito, que deriva de as partes não
terem suscitado nos articulados a exceção dilatória que poderia pôr termo ao
processo e de o juiz não ter apreciado oficiosamente essa exceção dilatória,
como lhe competia, na fase do saneador.
No âmbito do anterior regime, em que
era feita a distinção entre ação administrativa comum e ação administrativa
especial, isto só era possível se as partes tivessem prescindido do direito de
apresentar alegações finais escritas, pois caso contrário, o juiz não podia decidir
no saneador, devendo notificar as partes para apresentarem tais alegações. Isto
colocava uma limitação à possibilidade de o juiz decidir logo no saneador. Era
uma solução inadequada e, felizmente, abandonada quando passámos a ter um única
ação administrativa, sendo que agora pode ser proferido saneador sentença, sem
que haja, previamente lugar à apresentação de alegações escritas pelas
partes.
Ainda assim, tendo sido consagrada
esta solução nos termos do Contencioso Administrativo, como lhe são aplicáveis
subsidiariamente as regras de Processo Civil, o que acaba muitas vezes por
acontecer é verificar-se que os Tribunais não respeitam esta regra da preclusão
das questões prévias, permitindo que ulteriormente as mesmas sejam chamada à
colação. Isto é possível verificar-se em alguma jurisprudência, posterior a
2015.
Na minha humilde opinião, e com o
devido respeito àqueles que com toda a certeza terão um maior conhecimento
destas matérias, parece-me que a intenção do legislado administrativo foi um
bom passo em frente, numa forma de permitir às partes acesso a algo que
anteriormente só tinham em determinadas situações. Percebo até a solução do ponto
de vista da segurança jurídica que é oferecida aos indivíduos e, também em
termos de tramitação processual, sendo que é naquele momento que se deve alegar
questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa sem que seja dada
oportunidade à justiça de se prolongar com questões que, futuramente, poderão
não levar a qualquer solução.
Bibliografia:
o Mário
Aroso de Almeida,
Manual de Processo Administrativo -3ª Ediçao, 2017- Almedina;
o Carlos
Alberto Fernandes Cadilha, Mário Aroso de Almeida, Comentário ao Código de Processo
nos Tribunais Administrativos, 4ª Edição – 2018, Almedina;
o Mário
Aroso de Almeida,
Teoria Geral do Direito Administrativo, o Novo Regime do Código do Procedimento
Admnistrativo – 2015, 3ª edição – Almedina.
Jéssica Bento
Nº 25971
[2] As
questões prévias que podem obstar ao conhecimento do objeto do processo são
aquelas que se encontram elencadas no art. 89º, nº4, que reproduz o disposto no
art. 577º do CPC e adita outras exceções especificas do contencioso
administrativo.
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