terça-feira, 18 de dezembro de 2018


O Despacho saneador

O artigo 88º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) refere-se ao Despacho Saneador. Ali se estabelece ao que se destina, sendo que este despacho é proferido quando haja que conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes. Ou que, tendo em conta os elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente ou conhecer, total ou parcialmente, do mérito da causa, quando a questão seja apenas de direito ou, sendo também de facto,  o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória[1].
O nº1 do artigo 88º prevê duas hipóteses em que deve ser proferido Despacho Saneador, são elas:
·      A prevista na alínea a) de acordo com a qual à lugar a despacho sempre que haja que conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente.
·      E a previsão constante da alínea b), segundo a qual o juiz deve proferir o saneador  sentença, quando no despacho saneador já esteja em condições de conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, por o estado do processo assim o permitir, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceções perentória.

Face ao que foi dito e, de acordo com o que faz parecer o artigo 88º, nº4 do CPTA, poder-se-ia dizer que só haverá lugar a Despacho Saneador quando esteja em causa tomar uma decisão, de forma ou de mérito, destinada a formar caso julgado formal em relação às questões prévias suscitadas ou, caso julgado material em relação ao mérito da causa.
No entanto, se se atender ao que é dito no artigo 89º-A, nº1 também do CPTA, este parece pressupor que há sempre lugar a despacho saneador, quanto mais não seja para assumir que, não tendo sido colocadas quaisquer questões prévias, o processo deve prosseguir.
Como é sabido o Código de Processo Civil de 2013 foi uma grande influência no Contencioso Administrativo, especialmente após a sua Reforma de 2015. Não obstante essa “amizade necessária”, como outrora lhe chamei, pois em muito foi útil para tornar o processo administrativo mais prático, se assim posso dizer, também existem diferenças entre os dois tipos processuais, inclusivamente especificidades que o Contencioso Administrativo manteve.
Ora, tal é visível no artigo 88º, nº2 do CPTA, ali se prevê que é imposto ao juiz o dever de decidir em definitivo, no despacho saneador, todas as questões prévias[2] que obstem ao conhecimento do objeto do processo, estabelecendo que as questões prévias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho não podem vir a ser reapreciadas”. Isto é oposto ao que sucede em Processo Civil, na medida em que o CPC, não só permite a relegação para o final da decisão relativa à matéria das exceções, o que sucede normalmente quando o juiz não disponha na fase de saneamento do processo de elementos suficiente para o julgamento da questão (art. 595º, nº4), como permite, sem prejuízo do disposto no 278º, nº3, que se conheça na sentença, com precedência sobre a matéria de fundo, das “questões processuais que possam determinar a absolvição da instancia” e, portanto, de questões que não tenham sido detetadas no despacho saneador (608º, nº1). Já no âmbito do CPTA, o saneador é o único momento do processo em que este tipo de questões podem ser apreciadas. Neste sentido, pode dizer-se que em Contencioso Administrativo se encontra sedimentado o princípio de concentração do saneamento do processo num único momento processual, bem como o Princípio da Preclusão.   
Esta solução também se relaciona com princípio de promoção de acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para o final a apreciação das questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma e, por outro lado, que o processo seja utilizado a todo o tempo para suscitar questões formais, com consequências negativas no plano da economia e celeridade processual.
Apesar da diferença existente, a função do Despacho Saneador é mesma em Processo Civil e no âmbito do Contencioso.
A solução consagrada no CPTA pode implicar que, em certos caso, o processo prossiga inutilmente, quando não tenha sido suscitada oportunamente uma questão prévia que pudesse evitar a apreciação do mérito, como sucederá quando o processo se dirija contra uma pessoa ou entidade que é parte ilegítima e relativamente à qual não poderá ser executada a sentença, ou tenha por objeto um ato administrativo inimpugnável, caso em que a eventual sentença anulatória não impedirá que venha a ser produzido pela entidade demandada um novo ato lesivo.
Nos termos do Contencioso Administrativo o juiz só pode decidir na sentença as questões de fundo, e não questões prévias ou processuais incorrendo, em nulidade, por excesso de pronuncia a sentença que venha a decretar a absolvição da instancia com base na reapreciação de uma questão prévia ou na invocação de uma questão prévia que não foi apreciada no momento devido, desrespeitando o artigo 88º, nº2 do CPTA.
            Todavia, o eventual reconhecimento, pelo juiz, da existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento do objeto do processo não conduz necessariamente à emissão de um despacho de absolvição da instância. Em primeiro lugar, nos termos do art. 87º, nº1, pode haver lugar à correção oficiosa das peças processuais que enfermam de deficiências ou irregularidades de caráter formal, bem como o suprimento oficioso de exceções dilatórias. Em todos os outros casos, em que a correção ou o suprimento oficioso não seja possível, o art. 87º, nº2, prevê que o juiz profira despacho de aperfeiçoamento, que se destina a providenciar o suprimento de exceções dilatórias e a convidar a parte a corrigir as irregularidades formais do articulado.
            Com efeito, o nº2 artigo 88º do CPTA configura uma situação de caso julgado tácito, que deriva de as partes não terem suscitado nos articulados a exceção dilatória que poderia pôr termo ao processo e de o juiz não ter apreciado oficiosamente essa exceção dilatória, como lhe competia, na fase do saneador.
            No âmbito do anterior regime, em que era feita a distinção entre ação administrativa comum e ação administrativa especial, isto só era possível se as partes tivessem prescindido do direito de apresentar alegações finais escritas, pois caso contrário, o juiz não podia decidir no saneador, devendo notificar as partes para apresentarem tais alegações. Isto colocava uma limitação à possibilidade de o juiz decidir logo no saneador. Era uma solução inadequada e, felizmente, abandonada quando passámos a ter um única ação administrativa, sendo que agora pode ser proferido saneador sentença, sem que haja, previamente lugar à apresentação de alegações escritas pelas partes. 
            Ainda assim, tendo sido consagrada esta solução nos termos do Contencioso Administrativo, como lhe são aplicáveis subsidiariamente as regras de Processo Civil, o que acaba muitas vezes por acontecer é verificar-se que os Tribunais não respeitam esta regra da preclusão das questões prévias, permitindo que ulteriormente as mesmas sejam chamada à colação. Isto é possível verificar-se em alguma jurisprudência, posterior a 2015.
            Na minha humilde opinião, e com o devido respeito àqueles que com toda a certeza terão um maior conhecimento destas matérias, parece-me que a intenção do legislado administrativo foi um bom passo em frente, numa forma de permitir às partes acesso a algo que anteriormente só tinham em determinadas situações. Percebo até a solução do ponto de vista da segurança jurídica que é oferecida aos indivíduos e, também em termos de tramitação processual, sendo que é naquele momento que se deve alegar questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa sem que seja dada oportunidade à justiça de se prolongar com questões que, futuramente, poderão não levar a qualquer solução.



Bibliografia:
o   Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo -3ª Ediçao, 2017- Almedina;
o   Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Mário Aroso de Almeida, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª Edição – 2018, Almedina;
o   Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, o Novo Regime do Código do Procedimento Admnistrativo – 2015, 3ª edição – Almedina.







Jéssica Bento
Nº 25971



[1] Artigo relativo às exceções – 89º do CPTA.
[2] As questões prévias que podem obstar ao conhecimento do objeto do processo são aquelas que se encontram elencadas no art. 89º, nº4, que reproduz o disposto no art. 577º do CPC e adita outras exceções especificas do contencioso administrativo.

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