O
princípio do duplo grau de jurisdição postula que, em nome de uma efetiva
garantia de melhor justiça e proteção dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos, todas as causas jurídicas devem beneficiar da possibilidade
de reexame por um tribunal superior. Não existe, porém, qualquer norma
constitucional ou internacional que consagre um princípio geral do duplo grau
de jurisdição, cabendo a tarefa à lei ordinária que definirá, respeitando os
princípios da proporcionalidade e da igualdade, quais os tipos e graus de recurso
nos vários campos do direito.
Porém,
alguns autores, nomeadamente o Professor Gomes Canotilho e Vital Moreira,
defendem a obrigatoriedade do direito ao recurso sempre que esteja em causa
decisões que afetem direitos fundamentais.
A matéria
dos recursos jurisdicionais encontra-se regulada nos artigos 140º a 156º do
CPTA e nos artigos 24, 25º/1 e 37º do ETAF.
O CPTA
distingue entre recursos ordinários e recurso de revisão, incluindo nos
primeiros a apelação, a revista e o recurso para uniformização de jurisprudência.
Ao contrário
do que sucede na lei processual civil, os recursos ordinários não se destinam
unicamente à impugnação de decisões que ainda não tenham formado caso julgado. O
recurso de revista na jurisdição comum delimita-se pelo objeto e pelo fundamento
específico. O objeto é a decisão que julga o mérito da causa e o fundamento
específico é a violação da lei substantiva.
O recurso
de revista assume duas modalidades: a revista excecional do artigo 150º do CPTA,
interposta de decisões proferidas em segunda instância pelo TCA sempre que esteja
em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou
social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso
seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito ; e a revista per saltum para o STA, uma vez observados
os requisitos enunciados nos nºs 1 e 2 do artigo 151º do CPTA.
Como
supra referido, no novo contencioso
administrativo a regra vigente é a do duplo grau de jurisdição, sempre que
estejam preenchidos os requisitos de admissibilidade. Em contraposição com o
Direito Processual Civil, no qual o litígio pode ser objeto de três decisões,
desde que preenchidas as condições de recorribilidade, designando-se como “triplo
grau de jurisdição”. Contrariamente, o duplo grau de jurisdição será a regra,
no Processo Administrativo e a exceção será o “triplo grau” e, por isso, o
recurso de revista.
O artigo
150º do CPTA vem consagrar um desvio a esta regra geral (do duplo grau de jurisdição), estabelecendo a
possibilidade de recurso de revista das decisões proferidas em segunda
instância pelo TCA.
Esta norma consagra, assim, uma “válvula de segurança do
sistema”, permitindo a reapreciação da causa pelo STA, sempre que se verifique
um dos seguintes casos: apreciação de uma questão que, pela sua relevância
jurídica ou social se revista de importância fundamental ou sempre que a
apreciação do recurso por aquele Tribunal se revele claramente necessária para
uma melhor aplicação do direito. Deste modo, o 150º do CPTA prescreve que só haverá
revista quando se verifique um circunstancialismo subsumível àqueles
requisitos.
Os pressupostos
de admissão de recurso apresentam-se assim elencados por meio de conceitos
indeterminados, o que reserva alguma margem de manobra ao STA na admissão deste
tipo de recurso.
O recurso
de revista carece de uma decisão prévia de admissão, proferida nos termos do
artigo 150º/5 do CPTA por uma formação de 3 juízes.
Cabe
ressalvar, que os interesses tutelados por este recurso serão a realização de
interesses comunitários, designadamente a boa aplicação do direito, e não tanto
os interesses das partes.
O artigo
150º/2 refere que a revista só pode ser admitida com base em violação da lei
substantiva ou processual. Quanto à matéria de facto, o STA encontra-se
vinculado ao que foi decidido nas instâncias inferiores, a não ser que, como
expresso no nº4, tenha existido ofensa das regras de direito probatório
material.
Note-se
que o recurso de revista é um recurso substitutivo, como expresso no artigo
150º/3. Tem, por outro lado, efeito suspensivo (143º/1 CPTA) da decisão
recorrida, o que significa que não é dada execução à decisão recorrida, admitindo-se
a possibilidade de alteração desse efeito.
Finalmente,
no recurso de revista existem duas fases de admissão: a primeira, efetuada no
tribunal recorrido, respeita à legitimidade, tempestividade e efeitos do recurso;
a segunda, no tribunal de recurso concerne ao preenchimento dos pressupostos de
admissão enunciados no artigo 150º/1 CPTA.
Pode,
também, referir-se o recurso de revista per
saltum para o STA (151º CPTA), referido anteriomente.
De facto,
a transformação dos tribunais centrais em instâncias normais de recurso em
segundo grau de decisões provindas dos tribunais administrativos do círculo,
levou a que fosse admitido um recurso de revista direto da primeira instância para
o STA, quando estão apenas em causa questões de direito.
Assim,
quando o objeto do recurso se restrinja a questões de direito e o valor da causa
seja superior a 3 milhões de euros ou indeterminável, a revista sobe
diretamente para o STA.
Considerou-se,
supra, que o STA, em sede de revista, apenas conhece em matéria de direito e já não
aprecia da matéria de facto. Porém, existem cerca de duas exceções respeitantes
ao direito probatório material e a permissão, ao STA, de apreciar de erros na
apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa por ofensa de
uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a
existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Relativamente
a esta modalidade de recurso, o Professor Mário Aroso de Almeida questiona-se
quanto ao preenchimento dos pressupostos do artigo 151º/1. Assim, coloca a
questão de saber se, quando se encontram preenchidos estes pressupostos, o
recurso tem de ser interposto como
recurso de revista, nos termos previstos nesse preceito, ou se depende de opção
do recorrente dirigir-se ao Supremo ou interpor recurso de apelação para o TCA
competente.
Ao reservar
para o STA a competência para apreciar os recursos que preencham os requisitos
estabelecidos no preceito, parece indicar, na opinião do Professor, que o
recurso de revista é de utilização obrigatória nos casos em que ele pode ser
interposto, pelo que o juiz do tribunal recorrido ou o próprio TCA, deverão
mandá-lo subir ao Supremo, independentemente de expressão nesse sentido da vontade
do recorrente.
Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2016 Almedina;
Crespo, Miguel Ângelo Oliveira, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo;
Violante, Teresa, Os Recursos Jurisdicionais no Novo Contecioso Administrativo;
Maia, Roberto da Silva, Violação da lei no Recurso de Revista;
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