terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Recurso de Revista


O princípio do duplo grau de jurisdição postula que, em nome de uma efetiva garantia de melhor justiça e proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, todas as causas jurídicas devem beneficiar da possibilidade de reexame por um tribunal superior. Não existe, porém, qualquer norma constitucional ou internacional que consagre um princípio geral do duplo grau de jurisdição, cabendo a tarefa à lei ordinária que definirá, respeitando os princípios da proporcionalidade e da igualdade, quais os tipos e graus de recurso nos vários campos do direito.
Porém, alguns autores, nomeadamente o Professor Gomes Canotilho e Vital Moreira, defendem a obrigatoriedade do direito ao recurso sempre que esteja em causa decisões que afetem direitos fundamentais.

A matéria dos recursos jurisdicionais encontra-se regulada nos artigos 140º a 156º do CPTA e nos artigos 24, 25º/1 e 37º do ETAF.
O CPTA distingue entre recursos ordinários e recurso de revisão, incluindo nos primeiros a apelação, a revista e o recurso para uniformização de jurisprudência.
Ao contrário do que sucede na lei processual civil, os recursos ordinários não se destinam unicamente à impugnação de decisões que ainda não tenham formado caso julgado. O recurso de revista na jurisdição comum delimita-se pelo objeto e pelo fundamento específico. O objeto é a decisão que julga o mérito da causa e o fundamento específico é a violação da lei substantiva.

O recurso de revista assume duas modalidades: a revista excecional do artigo 150º do CPTA, interposta de decisões proferidas em segunda instância pelo TCA sempre que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito ; e a revista per saltum para o STA, uma vez observados os requisitos enunciados nos nºs 1 e 2 do artigo 151º do CPTA.
Como supra referido, no novo contencioso administrativo a regra vigente é a do duplo grau de jurisdição, sempre que estejam preenchidos os requisitos de admissibilidade. Em contraposição com o Direito Processual Civil, no qual o litígio pode ser objeto de três decisões, desde que preenchidas as condições de recorribilidade, designando-se como “triplo grau de jurisdição”. Contrariamente, o duplo grau de jurisdição será a regra, no Processo Administrativo e a exceção será o “triplo grau” e, por isso, o recurso de revista.
O artigo 150º do CPTA vem consagrar um desvio a esta regra geral (do duplo grau de jurisdição), estabelecendo a possibilidade de recurso de revista das decisões proferidas em segunda instância pelo TCA. 
Esta norma consagra, assim, uma “válvula de segurança do sistema”, permitindo a reapreciação da causa pelo STA, sempre que se verifique um dos seguintes casos: apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental ou sempre que a apreciação do recurso por aquele Tribunal se revele claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Deste modo, o 150º do CPTA prescreve que só haverá revista quando se verifique um circunstancialismo subsumível àqueles requisitos.
Os pressupostos de admissão de recurso apresentam-se assim elencados por meio de conceitos indeterminados, o que reserva alguma margem de manobra ao STA na admissão deste tipo de recurso.

O recurso de revista carece de uma decisão prévia de admissão, proferida nos termos do artigo 150º/5 do CPTA por uma formação de 3 juízes.
Cabe ressalvar, que os interesses tutelados por este recurso serão a realização de interesses comunitários, designadamente a boa aplicação do direito, e não tanto os interesses das partes.
O artigo 150º/2 refere que a revista só pode ser admitida com base em violação da lei substantiva ou processual. Quanto à matéria de facto, o STA encontra-se vinculado ao que foi decidido nas instâncias inferiores, a não ser que, como expresso no nº4, tenha existido ofensa das regras de direito probatório material.
Note-se que o recurso de revista é um recurso substitutivo, como expresso no artigo 150º/3. Tem, por outro lado, efeito suspensivo (143º/1 CPTA) da decisão recorrida, o que significa que não é dada execução à decisão recorrida, admitindo-se a possibilidade de alteração desse efeito.
Finalmente, no recurso de revista existem duas fases de admissão: a primeira, efetuada no tribunal recorrido, respeita à legitimidade, tempestividade e efeitos do recurso; a segunda, no tribunal de recurso concerne ao preenchimento dos pressupostos de admissão enunciados no artigo 150º/1 CPTA.

Pode, também, referir-se o recurso de revista per saltum para o STA (151º CPTA), referido anteriomente.
De facto, a transformação dos tribunais centrais em instâncias normais de recurso em segundo grau de decisões provindas dos tribunais administrativos do círculo, levou a que fosse admitido um recurso de revista direto da primeira instância para o STA, quando estão apenas em causa questões de direito.
Assim, quando o objeto do recurso se restrinja a questões de direito e o valor da causa seja superior a 3 milhões de euros ou indeterminável, a revista sobe diretamente para o STA.

Considerou-se, supra, que o STA, em sede de revista, apenas conhece em matéria de direito e já não aprecia da matéria de facto. Porém, existem cerca de duas exceções respeitantes ao direito probatório material e a permissão, ao STA, de apreciar de erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa por ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Relativamente a esta modalidade de recurso, o Professor Mário Aroso de Almeida questiona-se quanto ao preenchimento dos pressupostos do artigo 151º/1. Assim, coloca a questão de saber se, quando se encontram preenchidos estes pressupostos, o recurso tem de ser  interposto como recurso de revista, nos termos previstos nesse preceito, ou se depende de opção do recorrente dirigir-se ao Supremo ou interpor recurso de apelação para o TCA competente.
Ao reservar para o STA a competência para apreciar os recursos que preencham os requisitos estabelecidos no preceito, parece indicar, na opinião do Professor, que o recurso de revista é de utilização obrigatória nos casos em que ele pode ser interposto, pelo que o juiz do tribunal recorrido ou o próprio TCA, deverão mandá-lo subir ao Supremo, independentemente de expressão nesse sentido da vontade do recorrente.


Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2016 Almedina;
Crespo, Miguel Ângelo Oliveira, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo;
Violante, Teresa, Os Recursos Jurisdicionais no Novo Contecioso Administrativo;
Maia, Roberto da Silva, Violação da lei no Recurso de Revista;


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