terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A eliminação do risco de dilação temporal indevida: a tutela cautelar no contencioso administrativo


A eliminação do risco de dilação temporal indevida: a tutela cautelar no contencioso administrativo

A providência cautelar, visa como o próprio nome indica acautelar uma eventual irreparabilidade de danos recorrentes de execução de acto administrativo ilegal, bem como do útil efeito da decisão que daí venha a ser proferida, fazendo assim a mesma cumprir o Princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 268º/4 CRP). Assim, em processo declarativo já tentado ou ainda a intentar, o autor clama a adopção de determinadas providências destinadas a impedir uma situação irreversível que produza danos gravosos de tal modo que coloquem em causa a utilidade da própria decisão que se pretende com o processo principal. A sua finalidade consiste deste modo no assegurar da utilidade de uma lide principal em processos morosos, tendo em virtude dessa função de prevenção determinadas características típicas: a instrumentalidade, provisoriedade e sumaridade (infra), afirmando-se ainda como principal requisito da tutela cautelar o periclum in mora – resultante do perigo de inutilidade total ou parcial da sentença (“fundado receio”, art. 120º) – devendo o juíz realizar um juízo de prognose com base nesse requisito, e concluir se há ou não razão para proceder à adopção da providência, conforme a existência de periclum in mora resultante de infrutuosidade - que exigirá uma providência conservatória - ou de retardamento - que postulará a adopção de providência antecipatória.
Na pendência da situação anterior ao actual processo administrativo, os meios cautelares estavam limitados praticamente à suspensão de eficácia do acto, bem como se encontravam fundidos numa categoria genérica de meios processuais acessórios; não estavam inclusivé separados de intimações para comportamento bem como excepções de julgado – um processo principal nos processos não executivos -, valendo também apenas quanto ao objecto para actos administrativos positivos e nunca negativos, não abrangendo as normas e estando também bastante limitados quanto ao conteúdo que apenas admitia efeitos conservatórios e não antecipatórios, não sendo sequer considerado o fumus boni iuris, tendo apenas havido uma alteração desta situação com a revisão constitucional de 1997 – sendo aliás actualmente a CRP a única a prever de forma expressa o direito dos administrados à protecção cautelar.
Um dos aspectos mais inovadores da reforma do processo administrativo, foi o da consagração da juridicidade material como padrão de decisão cautelar, eliminando-se (felizmente) a presunção da legalidade do acto administrativo, e reconhecendo-se o devido relevo ao fumus boni iuris, ou seja, tendo o juiz que apreciar do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele afirma existir, mesmo quando se trata de verdadeiros actos administrativos. Permite-se assim que o juiz decrete a providência mesmo sem prova do receio de facto consumado ou da difícil reparação do eventual dano.
Outro aspecto fundamental na concessão ou recusa da providência é a proporcionalidade – característica nuclear do novo sistema de protecção cautelar – e que implica a ponderação de todos os interesses em jogo; mesmo verificando-se o periclum in mora bem como o fumus boni iuris (havendo de facto probabilidade de procedência da acção), deve verificar-se o equilíbrio e prejuízos relativos à prossecução/ou não da providência, analisando qual das duas alternativas será a mais benéfica.
Após a reforma de 2015, temos também o critério da aparência do bom direito: a atribuição da providência depende de um juízo sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer – devendo por isso ser avaliado o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo, sendo igualmente considerados os comportamentos que o requerido tenha judicial e extrajudicialmente de modo a fornecer indícios sobre eventual desrespeito da legalidade, devendo no entanto toda esta apreciação limitar-se dentro da tutela cautelar, não comprometendo ou antecipando o juízo de fundo do processo principal. Antes da reforma este critério era tratado de outra forma, com uma maior exigência no caso das providências antecipatórias, já que as conservatórias mantêm apenas o status quo lançando sobre o demandante o ónus da respectiva prova, enquanto nas antecipatórias – que alteram o status quo – se fazem valer situações jurídicas dinâmicas ou pretensivas, recaindo sobre o autor o ónus material da prova do fundamento das suas pretensões. Com a homogeneização estes dois tipos de providências, vem o legislador da revisão de 2015 introduzir uma novidade no nosso ordenamento: submeter ao critério do fumus boni iuris a adopção da tutela cautelar, em particular a relativa a suspensão de eficácia de actos administrativos, o que vem assim limitar o acesso à tutela cautelar dos cidadãos no processo administrativo.
Estabelece o CPTA esta matéria nos seus artigos 112º a 134º, admitindo a lei inclusive providências de qualquer tipo (art. 112º, nº1 CPTA), sempre servindo o propósito de utilidade do processo - vingando deste modo também as providências antecipatórias e não apenas as conservatórias como antigamente – e abrangendo também normas (quanto ao seu conteúdo) e não sendo as providências deste modo autónomas, surgindo apenas como preliminar ou incidente do processo declarativo (principal).
Relativamente às características fundamentais supra referidas, a instrumentalidade surge-nos no artigo 112º/1 - o processo é desencadeado por quem tenha legitimidade processual para o fazer – sendo clarificada pelo artigo 113º/1 que nos indica a dependência da causa que te    m por objecto a decisão sobre o mérito – sem a necessária legitimidade nenhuma decisão poderia ser proferida. Quando intentado preliminarmente à acção principal o autor tem o prazo de 3 meses para efectivar a devida acção principal da qual a providência deve depender (art. 123º nº2), caducando a medida cautelar se tal não se vier verificar por negligência do interessado ou se proferida decisão transitada em julgado desfavorável às suas pretensões (art. 123º, nº1 als. /b) e e)).
Quanto à provisoriedade, a tutela cautelar constitui-se exactamente como uma regulação provisória de interesses, sendo mesmo quando antecipatória, provisória relativamente à decisão principal não podendo substituí-la e caducando sem proposição da mesma como enunciado supra. A mesma não deve no entanto claro por esse motivo permanecer indiferente a alterações das circunstâncias do processo, devendo ter sempre em conta a situação de facto e direito, e sendo deste modo, devido à sua provisoriedade, também contingentes. Podem deste modo (art. 124º) a pedido das partes ou a requerimento do juiz, ser revistas as decisões de adopção ou recusa de medidas cautelares, podendo as mesmas ser também revogadas, alteradas e substituídas. Associado a este carácter provisório, surge também a responsabilidade civil do requerente, que tem o dever de indemnizar sobre os danos que cause ao requerido com dolo ou negligência grosseira, sobretudo quando não haja decisão final de mérito que lhe seja favorável.
Por fim quanto à terceira característica principal – a sumaridade – a mesma está intimamente ligada à urgência patente destas medidas. Esta é exigida pelo periclum in mora, seguindo-se uma tramitação célere nas providências, quer em primeira instância, quer em recurso. Sendo necessária a verificação do fumus boni iuris, a sumaridade manifesta-se na mera exigência de um juízo de verosimilhança sobre a existência do direito que se pretende acautelar, prevendo-se inclusive em geral um contraditório limitado, mas admitido em situações de especial urgência. É ainda esta característica, que justifica a obrigação de o requerente oferecer na petição prova sumária dos fundamentos do pedido, nomeadamente quanto ao seu interesse em agir (art. 114º, nº 2 al. g)).
Importa referir também, que nas disposições particulares, regulam-se casos especiais relativos a determinadas providências: por um lado, umas pretendem complementar o regime (como no caso da suspensão da eficácia de actos, vg arts. 128º e 129º), e outras visam fixar um regime especial de providências com determinado conteúdo, e que em certa medida derrogam o regime geral ou lhe impõem adaptações, constituindo-se como providências especificadas – como as relativas a procedimentos de formação dos contratos, e as que visam a regulação provisória de quantias e produção antecipada de prova. No caso especial das providências pré contratuais, as mesmas destinam-se a corrigir a ilegalidade ou a impedir outros danos – como a suspensão da formação do contrato – sendo utilizadas quando esteja em causa a anulação ou declaração de nulidade e inexistência de actos administrativos (incluindo os contratos do artigo 100º); aplicam-se aqui as regras gerais do procedimento cautelar, com ressalva de especialidades como é determinado no art. 132º nº3. Vale como critério de decisão o da ponderação, devendo o tribunal recusar a providência nestes casos se concluir que os danos resultantes da sua adopção são superiores aos prejuízos de não adopção; quando determine ilegalidades vg de documentos concursais, pode logo o juiz convolar o processo principal e decidir imediatamente a questão de fundo corrigindo a ilegalidade (art. 132º/7).
Deste modo e na averiguação de especiais circunstâncias, propõe-se o contencioso a solver com maior brevidade as pendências administrativas: sempre conservando-se devidamente à cautela.

Índice Bibliográfico:
SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo”, 2009, 2ª edição
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, 2016, 2ª edição
ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”, 2014, 13ª edição
CORREIA, Sérvulo, Direito do Contencioso Administrativo I, Lex, 2005

                        João Melo, nº24233

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