quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O Âmbito Do Contencioso Administrativo Pré-contractual


Âmbito Do Contencioso Administrativo Pré-contractual

Introdução
            Até à reforma de 2015 a acção de contencioso pré-contractual regulada nos então arts 100º a 103º era configurada como um meio processual principal urgente, actualmente sendo actualmente a figura antes classificada como uma acção administrativa urgente. Como aponta Ana Celeste Carvalho “ esta reconfiguração não assume relevância meramente semântica, antes traduzindo a opção do legislador em assumir (…) em relação ao âmbito da acção do contencioso pré-contratual, no sentido de não ter natureza puramente impugnatória, maxime do acto final de adjudicação, mas admitindo também no seu âmbito o pedido de condenação à prática do acto devido relativo à formação dos contratos”.
O regime vigente relativamente à acção do contencioso pré-contratual encontra-se estabelecido no art 102º/1CPTA em especial, e reforçado na previsão genérica dos processos urgentes do art 97º/1 CPTA ao estipular que às acções administrativas urgentes regem-se “no que com ele não contenda, pelas disposto nos capítulos II e III do título II”, mais especificamente as previsões dos capítulos referentes às “Disposições particulares” e “Marcha do Processo” como configuradas para a acção declarativa administrativa “não urgente” são também via de regra aplicáveis no contencioso urgente, e consequentemente no contencioso pré-contratual.
Como menciona a autora supra a acção de contencioso pré contratual está submetido a uma influência directa do Direito Comunitário. Os tipos de contrato referidos no art 100º/1 CPTA dão os abrangidos por directivas comunitárias em matéria de contratação pública (Directiva 2014/23/EU). Cumpre ainda sublinhar que esta acção se reporta a um meio processual necessário e não facultativo, não podendo as partes antes optar em sua preterição em favor do recurso à acção administrativa, o que encontraria a sua justificação nas finalidades prosseguidas, plasmadas nas directivas da contratação pública (nomeadamente as Directivas 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE) - “em obediência ao interesse ao interesse da estabilização das relações jurídicas, da certeza e da segurança jurídica”.

Âmbito do Contencioso pré-contratual Administrativo urgente
            Actualmente de acordo com o disposto no art 100º CPTA a acção do contencioso pré contratual não se dirige apenas a actos administrativos, antes abrange também a possibilidade de impugnação do próprio contrato art 102º/4 quando este tenha sido celebrado na pendência da instância, regulamentos administrativos, em relação a normas a normas incluídas nos documentos conformadores do procedimento art 103º, podendo ser deduzido pedido impugnatório mas ainda o pedido de condenação à prática do acto devido.
Especificamente no que diz respeito à agora inovatória do art 100º/1 CPTA de permitir a condenação à prática de actos devidos, como estipula o art 66º/3 e 67º/1, esta condenação é permitida não só contra actos negativos, de indeferimento ou resultantes de inacções, mas também contra actos de conteúdo positivo, bem como a possibilidade de impugnação e o pedido condenatório contra o acto positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do autor.
Refira-se que Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha não admitem contudo a inserção na acção do contencioso pré contratual dos pedidos de condenação à abstenção da prática de acto administrativo pré-contratual nem o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de normas administrativas.
Por seu turno Ana Carvalho discorda da não inclusão da acção de condenação `abstenção da prática de acto administrativo pré contratual argumentando que “ perante a iminência da prática de um acto lesivo em relação a algum interessado no procedimento de formação de contrato, nada obsta a que a entidade administrativa possa ser demandada, invocando-se argumentos contrários aos invocados no projecto de decisão como fundamento para a prática do acto” por exemplo perante a iminência de um acto de exclusão de um interessado, referindo a autora que também o contencioso pré contratual visa na sua essência prevenir a prática de actos lesivos de forma semelhante aos termos gerais dos art 37º/1 c) e art 39º/1 e 2.
Os tipos de contratos abrangidos pela acção administrativa urgente do contencioso pré contratual encontram-se plasmados no art 100º/1 e dizem respeito: “à formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços” elenco baseado mas não correspondente sem mais às disposições constantes das Directivas Europeias, ficam assim de fora do âmbito de aplicação deste contencioso pré- contratual todos os demais contratos, ainda que nos termos do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP) estejam submetidos a um regime pré contratual. Defende assim a Ana Carvalho que nestes casos o meio processual adequado é antes a acção administrativa, fora do regime processual de urgência.
É de salientar, contudo, como indica Pedro Costa Gonçalves que não existe de facto uma correspondência entre o elenco do art 100º e as directivas comunitárias: a Directiva 2014/23/EU contempla a figura da concessão de serviços, mais ampla do que adoptada pelo legislador português de “concessão de serviços públicos”, as directivas comunitárias têm em vista ainda “apenas os contratos públicos e concessões cujo valor se situa acima de respectivos limiares de aplicação”. Diferentemente o CPTA atribui o regime de contencioso pré-contratual urgente aos “tipos” de contratos regulamentos pela União Europeia mesmo que em concreto (devido aos limiares de aplicação) os actos impugnados ou omitidos não fossem abrangidos pelas regras Europeias devido a se encontrarem fora do campo de aplicação dessas normas.
Questão controvertida diz respeito à determinação de qual a via processual adequada aos contratos mistos, que têm prestações típicas enquadradas e não enquadradas no art 100º/1 CPTA. O Acórdão do TCA Sul nº 4800/09 de 17/09/2009 clarificou que o um contrato se encontraria abrangido pelo art 100º e como tal era susceptível de ser configurado na acção administrativa urgente do contencioso pré-contratual se: “ a componente de maior expressão financeira de um dos tipos negociais combinados é subsumível a prestações essências do contrato” que se encontre abrangido pelo contencioso pé-contratual. Em linha com o já sustentado por Rodrigo Esteves de Oliveira que sustentava que se deveria “aplicar um critério qualitativo quanto à determinação do regime legal aplicável, em função do objecto principal do contrato ou o que represente a sua maior expressão financeira”.

Âmbito do Contencioso pré-contratual Administrativo urgente
Abordando agora o contencioso pré -contratual dito “não urgente” como refere Pedro Costa Gonçalves trata-se de delimitar “regime jurídico processual de reacção contra aqueles documentos, peças e actos praticados ou omitidos” por contraposição ao já referido contencioso urgente pré-contratual como plasmado nos arts 97º e 100º a 103º-B CPTA.
Como observa o autor o legislador denota uma tendência inata para o dualismo, nas soluções que adopta (não apenas na agora extinta dicotomia entre acção administrativa especial e acção administrativa comum); por um lado regula com um regime “especial” de natureza urgente o contencioso pré-contratual pensado, como já foi referido, para a contratação pública regulamentada em Directivas Europeias. Por outro lado o contencioso pré-contratual de “regime geral” acaba como o autor sublinha por ser delimitado “de forma residual, pela negativa: a ele se reconduzem todos os litígios de natureza pré-contratual de natureza administrativa cuja resolução judicial não tenha de ser encaminhada através de uma acção urgente”. Abarcando, em essência, todos os contratos que não se encontrem plasmados no elenco do art 100º/1 CPTA.
Levanta-se assim a questão de apurar se em relação aos documentos e peças do procedimento, as particularidades do contencioso pré-contratual urgente apenas abrangerão de facto os litígios que digam respeito aos contratos elencados no art 100º/1. Argumenta Pedro Gonçalves que, na literalidade o art 103º/1 refere “ regem-se pelo disposto no presente artigo e no artigo anterior, os processos dirigidos à declaração de ilegalidade de disposições contidas no programa do concurso, no caderno de encargos ou em qualquer outro documento conformador do procedimento de formação de contrato, designadamente com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem destes contratos”, o legislador deixa em aberto que o “procedimento de formação de contrato” possa aludir não só aos contratos plasmados no art 100º/1 CPTA ou antes a qualquer contrato público que assim poderá ter acesso ao mecanismo do art 103º.
Diga-se a título pessoal que a opção do legislador parece ter sido unívoca no sentido de apenas se aplicar o art 103º aos contratos constantes do art 100º/1, não só pela estipulação de um regime “especial” nos arts 100º a 103º mas consequentemente pela própria inserção sistemática destas disposições no CPTA. Não obstante o referido autor sustenta que se justificaria “uma universalização deste regime especial no sentido de se aplicar aos pedidos de declaração de ilegalidade das peças e documentos de todos os procedimentos de formação de contratos” defendendo que sendo o regime especial dos arts 102º e 103º CPTA aplicável a todas as peças e documentos de conformação de procedimentos pré-contratuais justificar-se-ia pelas especificidades próprias desses instrumentos.
Ainda que a lei os qualifique como regulamentos, sempre serão “regulamentos especiais”, com um tempo de aplicação naturalmente limitado à duração do processo contratual e que legitimam um regime especial quanto à tramitação urgente dos processos e à tempestividade dos pedidos de declaração de ilegalidade.



Bibliografia

CARVALHO, Ana Celeste: “Aspectos Processuais da acção de contencioso pré contratual e dos seus incidentes, à luz do CPTA e do CCP revistos” in Revista de Direito Administrativo nº1 Jan-Abr. 2018
GONÇALVES, Pedro Costa: “ O regime jurídico do contencioso pré contratual não urgente” in Comentários à revisão do CPTA e ETAF coordenação Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, AAFDL, Lisboa 2016.
           

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