segunda-feira, 17 de dezembro de 2018


A ação de condenação à não emissão de ato administrativo e o princípio da separação de poderes 
A ação de condenação à não emissão de ato administrativo está atualmente consagrada nos artigos 35º e 37º/1, c) do CPTA, surgindo como forma de tutela preventiva, isto é, como tutela anterior à emissão de ato administrativo lesivo, em regra.  
Os pressupostos processuais desta ação seguem o regime geral previsto no CPTA, contendo apenas uma especificidade em matéria de interesse processual, no artigo 39º/2. 
  1. Já desde antes da revisão de 2015 se discutia, por alguns autores, a compatibilidade entre a ideia de uma ação de condenação da administração à não emissão de um ato administrativo e o princípio da separação de poderes. 
Posições nesse sentido podem encontrar-se, nomeadamente, em SÉRVULO CORREIA, para quem, no âmbito do meio processual em causa, “o tribunal intervém intempestivamente”, “sob a perspetiva da função do procedimento no direito administrativo português”. Através de uma comparação com o pedido de condenação à emissão de ato devido, entende o mesmo Professor que, enquanto esta se consubstancia numa atuação do Tribunal a posteriori em relação a uma conduta ilegal por parte da Administração, o pedido de condenação à não emissão já consubstanciará uma conduta a priori, “não permitindo à Administração um certo exercício das suas competências conformativas e reduzindo a pouco a utilidade da operação de tratamento de informação ritualizada no procedimento”, de forma que será “mais gravoso para o princípio da separação de poderes sob a máxima do respeito das competências administrativas que o da condenação à prática do ato administrativo devido”. Nesse sentido, salienta que a condenação à não prática reduz, de certo modo, a Administração “à passividade, ou seja, a uma «non entity» do caso concreto”. 
Também VIEIRA DE ANDRADE, em sentido próximo, refere que o pedido de condenação à não emissão de ato administrativo é um meio de tutela preventiva que, “pela sua disfuncionalidade num sistema de administração executiva, pode interferir no exercício normal da função administrativa”. 
Em sentido oposto, RUI LANCEIRO defende que não está em causa qualquer perigo para o princípio da separação de poderes. Em primeiro lugar, “a jurisdição administrativa apenas vai controlar a legalidade da atuação da administração quanto à emissão de atos prováveis e suficientemente determinados.” Em segundo lugar, a procedência da ação está diretamente dependente da existência, ou de uma proibição legal da prática do ato com aquele conteúdo, ou de um direito do particular a uma abstenção relativamente a determinada conduta administrativa. Em terceiro lugar, o Tribunal apenas procede a uma apreciação da legalidade, estando a condenação dependente da verificação de “indícios de ilegalidade suficientemente fortes”. Ora, a Administração não tem qualquer competência para a prática de atos ilegais. O Tribunal não aprecia a conveniência ou oportunidade da atuação administrativa (3º/1) e “face a um espaço de valoração própria da atividade administrativa deve abster-se de se pronunciar, nas condições do 71º/2, CPTA”. Em quarto, e último, lugar, não existe uma eficácia suspensiva do procedimento administrativo, pelo que não existe a tal paralisação. A existir, será no âmbito dos processos cautelares, pelo que “o problema deve ser colocado no quadro geral da tutela cautelar e não da tutela preventiva”. 
Em sentido semelhante parece posicionar-se VASCO PEREIRA DA SILVA que, já antes da reforma, face à inexistência de previsão da ação preventiva de atos administrativos, sugeria que “pedidos dessa natureza pudessem ter lugar na ação para o reconhecimento de direitos”. 
Parece, realmente, que é de seguir a visão de que não há qualquer interferência com o princípio da separação de poderes, estando o pedido de condenação à não emissão de ato administrativo construído como um juízo de legalidade que, por ter essa natureza, não interfere com a esfera da Administração, que se rege, sempre e necessariamente, pelo princípio da legalidade. 
  1. Como consequência desta primeira questão, surge uma segunda: a questão de saber se o pedido em causa é, ou não, um meio processual supletivo. 
A este propósito, os autores que se posicionam a favor da existência de uma interferência com o princípio da separação de poderes rapidamente concluem no sentido da supletividade da ação de condenação à não emissão de ato administrativo.  
Nas palavras de SÉRVULO CORREIA, esta ação só é “admissível num reduzido número de casos cujas características tornam patente a insuficiência da tutela anulatória”.  
A ação administrativa de condenação à não emissão de ato administrativo, como espécie de “impugnação antecipada”, apenas podia funcionar quando a verdadeira ação de impugnação, meio processual a posteriori, não acautelasse suficientemente os interesses em causa. 
Os exemplos dados são essencialmente de dois tipos: casos em que as consequências do ato administrativo serão particularmente pesadas (em especial quando irreversíveis), e casos em que seja criada uma “situação de insegurança permanente por, embora sem prazos ou procedimentos pendentes, a Administração anunciar a intenção de vir a praticar o ato”. 
Vieira de Andrade, lendo o novo 39º/2 do CPTA, extrai exatamente os mesmos dois tipos de casos, no sentido de defender que este meio processual apenas é “imprescindível” “se a impugnação posterior do ato não assegurar uma tutela efetiva dos direitos do particular”. 
Do lado oposto, RUI LANCEIRO afasta firmemente a ideia de que a ação em causa só poderia ser utilizada “quando a necessidade de tutela não fosse absolutamente assegurada por uma reação a posteriori”. Afirma que a consagração do meio como “imprescindível”, no artigo 39º/2, não é mais do que um aspeto de um pressuposto processual, em concreto, do interesse processual, que qualquer autor terá de demonstrar, independentemente do meio processual. Por si não bastará para mostrar a especialidade do meio processual, nem a supletividade da tutela preventiva. 
No fundo, esta distinção que tanta importância teórica parece ter, acaba por, em termos práticos, ser uma falsa questão. A verdade é que os casos identificados pelo último autor como preenchendo o âmbito da ação de condenação à não emissão acabam por ser os mesmos usados por SÉRVULO CORREIA para ilustrar a restritividade desse mesmo âmbito. De forma que, do ponto de vista prático, os autores, ora optando pela existência de uma interferência com o princípio da separação de poderes e consequente necessidade de restrição deste meio processual, ora optando no sentido oposto, acabam por definir, para esta ação, um âmbito necessariamente ligado à insuficiência de outros meios. 
Assim, conclui-se que, embora a primeira questão seja verdadeiramente relevante, adotando-se uma posição que afasta uma possível interferência com o princípio da separação de poderes, no que toca à concretização desta posição em termos de supletividade ou não do tipo de tutela, já parece que é um aspeto eminentemente teórico que, na prática, se reconduz à necessidade de, para que estejam verificados os pressupostos processuais do meio processual, permitindo o conhecimento do mérito, haver uma insuficiência de outros meios para assegurar a proteção dos interesses em causa. Isto independentemente de se usar a via do interesse processual ou a da essência do meio processual em si. 

Bibliografia: 
ALMEIDA, MÁRIO DE, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2017. 
ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, “A Justiça Administrativa”, Almedina, 2015. 
CORREIA, SÉRVULO, “Direito do Contencioso Administrativo I”, LEX, 2005. 
LANCEIRO, RUI TAVARES, “A Condenação à não prática de actos administrativos”, in Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA, AAFDL Editora, 2016. 
SILVA, VASCO PEREIRA DA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2013.

Teresa Barrão Gomes Pinto, 27969

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